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Pise forte nesse chão

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por Carina Martins

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 “Pise forte neste chão, Arthur Bispo do Rosário está de volta”.  A frase que consta aos pés do monumento em homenagem ao artista Bispo do Rosário, na cidade de Japaratuba, no Sergipe, me remete ao ritual de defesa. Denise Tenório está de volta, e vem pisando firme. Sua pesquisa escapou ao desafio sedutor de inventariar o mundo das práticas educativas do Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea e construiu o objeto com bastante lucidez, focando em camadas interpostas que constroem um belo painel.

Em primeiro plano, a própria trajetória de Arthur, que nos permite acompanhar sua infância sergipana, seu trabalho como marinheiro por oito anos e meio, suas lutas de boxe, borracheiro e trabalhador doméstico. Construção de si duramente interrompida por uma internação compulsória na Colônia Juliano Moreira, que o encerrou por mais de cinquenta anos e o relegou a um número, 01662. Desobediente que era, Arthur construiu pela arte uma nova morada, inventariou o mundo à sua maneira e hoje é reconhecido como um dos artistas mais importantes do Brasil.

Em segundo plano, como um cenário em diferentes escalas, conhecemos a Colônia Juliano Moreira entrelaçada com a história da psiquiatria no Brasil e no mundo. Seu isolamento, nos tecidos da cidade do Rio de Janeiro e da modernidade, constrange e revolta. Arthur Bispo do Rosário teve sua vida impactada pelas violências do Estado brasileiro, em uma recente República, que não acatou sua trajetória, sua cor, sua doença e tentou subjugá-lo até a morte. Contudo, o artista se refez, registrando para posteridade seu mundo e convicções, como também suas memórias, andanças e paisagens afetivas.  “Eu vim”, diria ele. Por último, um mapeamento das ações educativas do Museu pelo olhar dos seus promotores, que promove aproximações entre múltiplas subjetividades, ao contrário do projeto segregacionista original da Colônia.

Em seu trabalho, a autora compartilha uma série de imagens das vitrines de canecas, talheres, confetes e botões de Bispo, que evocam as apropriações de objetos do cotidiano. Destaque para os confetes que parecem mobilizar um sentido de festa, de alegria, embora aprisionados naquele momento pelas garrafas fechadas. Então, Denise, hoje é hora de abri-las. Bakhtin uma vez afirmou que toda palavra terá sua festa de renovação. Para mim, Bispo renovou os objetos e, com isso, sua própria vida. E Denise, com seu trabalho, a seu modo, renovou o Museu.

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O texto traz muita paixão, o que às vezes provoca estranheza aos leitores acadêmicos. Percebo uma contaminação de certo sentido quixotesco do próprio Bispo. E isso, ao fim e ao cabo, não é coerente? Ao analisar as ações educativas, conhecemos um novo verbo, “bispar”. Por ele, os atores do Museu procuram desenvolver uma pedagogia da pergunta que mobilize constantemente a comunidade por meio de diversas ações. Acredito que a autora também tenha bispado.

Se a Colônia era o fim da linha para seus internos, Arthur bordou com ela horizontes utópicos e memoriais: um duplo olhar sobre seu passado e futuros imaginados. A autora nos mostra que tais universos são acionados nas ações educativas, na defesa de que a arte resiste com seus cavaleiros, com criatividade e competência. Aqui a autora mostra o bordado oficial e não deixa entrever os avessos, o que por si é um convite para experenciarmos a arte e as ações educativas do MBRAC.

“Eu preciso destas palavras”, frase de Bispo em um dos seus estandartes, é muito precisa para descrever a importância do trabalho de Denise. “Nós precisamos destas palavras”, que descortinam com extrema sensibilidade um mundo de bricolagens, de ressignificações, de invenções poéticas. Agradeço, portanto, pela partilha dessa caminhada como pesquisadora e entusiasta das ações educativas do museu. Que ele mobilize debates que alimentem o desmonte dos avanços na luta antimanicomial no Brasil. Que seja inspirador para muitas outras ações e que ajude a visibilizar o “sertão carioca”. Que promova diálogos entre práticas educativas que incluam a diversidade, a marginalidade, a criação e a integralidade humana, com sua luz e suas sombras.  Eu, particularmente, precisava dessa dose de loucura genial para enfrentar os tempos dos que se dizem sãos.

 

REFERÊNCIA: MAGALHÃES, Denise Tenório. Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea: um diálogo educativo e inclusivo. (Dissertação de Mestrado). Rio de Janeiro: CPDOC, FGV, 2019. Disponível: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/27692 FOTOGRAFIAS: 1- Arthur Bispo do Rosário com seu Manto de Apresentação. Fonte:  divulgação, UOL,  2016. Disponível em : https://entretenimento.band.uol.com.br/noticias/100000795703/exposicoessedespedemnobispodorosario.html 2- Confetes , s.d. , Arthur Bispo do Rosário. Reprodução Fotográfica Vicente de Mello. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/

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