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Valeu, Zumbi! Carnaval é patrimônio

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Por Carina Martins

Para as amantes e os amantes do carnaval, o grito “Valeu, Zumbi” arrepia por evocar um histórico desfile da G.R.E.S Unidos de Vila Isabel em 1988, sagrado campeão, com um samba-enredo intitulado “Kizomba, a festa da raça”, composto por Rodolpho, Jonas e Luís Carlos da Vila. No centenário da abolição, o samba construiu outra narrativa para o evento, com protagonismo dos/as negros/as escravizados/as.

Descobri na Wikipédia que o enredo foi criado pelo compositor Martinho da Vila e desenvolvido pelo carnavalescos Milton SiqueiraPaulo César Cardoso e Ilvamar Magalhães.

Em 2014, tive a oportunidade de desfilar na escola Paraíso de Tuiuti, que reeditou o famoso samba enredo no Grupo de Acesso. Morava recentemente no Rio de Janeiro e, confesso, antes de conhecer essa ala de amigos/as tão queridos/as, era arredia ao carnaval, apesar de sempre ter gostado de ver os desfiles das escolas do grupo especial na televisão. Carnaval para mim era sinônimo de descanso, até que…

Um mundo se abriu, literalmente, desde a primeira vez que atravessei a Sapucaí. Não era mais o carnaval-espetáculo-imagético, era meu corpo suado, meu coração disparado, meus pulmões sem ar por cantar todo samba, toda minha alma vibrando pela apoteose de cores, aromas, sons, lágrimas e sorrisos. Ah, patrimônio imaterial, você me pegou.

Carina no Desfile Kizomba final,
Kizombamos com a Paraíso do Tuiutí. 2014.

Muitos pensam, ainda, que patrimônio é igreja, museu, casa de gente importante. Isso tem até um apelido na área, “pedra e cal”. Foi a forma predominante de o Estado construir políticas públicas até o século XXI no Brasil, quando, após muitos debates, experiências e lutas, surgiu a legislação sobre patrimônio imaterial.

Carnaval é, portanto, patrimônio? Esse mês, por exemplo, o estado de São Paulo publicou o registro do carnaval e suas práticas como patrimônio imaterial do estado. O samba de roda do Recôncavo Baiano, as matrizes do samba carioca (samba de partido alto, samba de terreiro e samba–enredo) e o jongo no Sudeste também são patrimônios imateriais nacionais, registrados no Livro de Registro das Formas de Expressão.

Voltando ao desfile, “Kizomba é nossa constituição”. No mesmo ano que a Constituição brasileira foi aprovada, a Vila afirma que a África seria nossa inspiração maior, num país recém saído de uma Ditadura Militar.

O que poucos sabem, é que tinha comunista no samba! Explico. Lícia Maria Maciel Caniné, a Ruça, era presidente da escola e filiada ao Partido Comunista Brasileiro. Em depoimento para o pesquisador Eduardo Silva, Ruça afirmou que:  “Zumbi para mim  assim, é o grande herói da História do Brasil.  (…) Era uma democracia, ele foi mostrado como símbolo de luta pela liberdade, o foco era esse, a luta pela liberdade” (SILVA, 2014, p. 74).

A pesquisa de Eduardo Silva mostra outros entrelaçamentos do samba, como a cosmologia do candomblé, as disputas políticas contra a LIESA, o caráter democrático da gestão, boicotes e dificuldades, dentre outros. Vale a pena conhecer .

Por fim, fica aqui também minha homenagem à querida e inesquecível Profa. Marilene Rosa, orientadora da pesquisa, cujo sorriso, energia e sabedoria muito fazem falta nesses tempos cinzentos. Aliás, tempos estes que certamente serão, a partir de hoje, atravessados pela magia, insubordinação e irreverência do carnaval. Já diziam os sábios: quem não gosta de samba, bom sujeito não é.

Ô ô nega mina
Anastácia não se deixou escravizar”

Para saber mais

http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-02/carnaval-paulista-e-reconhecido-como-patrimonio-imaterial-de-sp

SILVA, Eduardo Nunes da. Azul celeste em vermelho: o projeto carnavalesco de Martinho e Ruça na Unidos de Vila Isabel entre 1988 e 1990. Dissertação. UERJ, 2014.

Link para download:

 

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