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Diário de flâneur – Av. Ipiranga, Petrópolis

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por Sofia Carneiro

Segunda-feira depois da aula, fiz meu percurso usual até o ponto de ônibus, na rua 13 de Maio (Centro de Petrópolis). Me distai demais pensando em como exercitar o olhar de flâneur, que não cheguei a ficar atenta à rua e ao trajeto em si. Fui para casa planejando experimentar diferente no dia seguinte.

Terça-feira, depois da aula também, resolvi sentar no ponto como se estivesse esperando um ônibus, mas que não chegaria nunca porque não estava ali para pegar ônibus. Esse dia estava chovendo um pouco, a rua não estava muito movimentada. Reparei nas alturas dos muros serem todas médias, bem parecidas entre si. Quando sentei no ponto percebi que essa é uma rua residencial mas não é de permanência, tanto que para permanecer tive que me apropriar do ponto de ônibus e mudar sua função.

Como disse, essa hora a rua não estava muito movimentada por pedestres, mas notei os adolescente uniformizados que passavam. Nesse momento também, lembrei de já ter reparado na quantidade de crianças na mesma faixa-etária, uniformizadas e de cor de pele branca, sem dúvidas em sua grande maioria. Achei curioso uma coisa que reparei: todas as crianças que vi estavam acompanhadas de mulheres, que devem ser mães ou avós. Em algum momento nossa sociedade definiu que levar os filhos para escola, na maior parte das vezes, e por diversos fatores culturais, é tarefa da mãe e não do pai.

Ainda na terça-feira, ainda sentada no ponto de ônibus: como tinha puxado da memória essa imagem das crianças que passam por ali (porque no momento não tinha visto nenhuma passar. Eram umas 11 horas), comecei a pensar no olhar do flâneur, que é um olhar que olha além. Pensei, então, que as coisas que não estão em um espaço também dizem – e em muitos casos dizem mais – sobre esse espaço: nessa rua nunca vi morador de rua, ou pedinte. Nem criança brincando na calçada. A rua é movimentada pelo fluxo de carros e as casas que estão nelas são em sua maioria grandes e com quintais. Então as crianças dessa rua brincam apenas em casa? Tem crianças nessa rua ou estão lá por causa das escolas?

Quarta-feira não tivemos aula pela manhã. Não fui para a faculdade. Na minha na quinta, foquei em observar mais a calçada enquanto andava. Gosto do canteiro de flores quem tem nela. Lembrei que na segunda-feira, também no percurso de ida, o mato estava alto, esbarrando em quem passasse mais próximo a ele. Crescendo mais do que “deveria” e tomando espaço na calçada. Lembrei desse dia porque nessa circunstância cheguei a encostar em uma parte do canteiro.

Na volta, 13h20, de quinta-feira: passava pela calçada e fui avistando mais à frente funcionários da prefeitura podando e capinando o mato. Todos de uniforme verde, homens e mais velhos. Tentei trocar alguma palavra com um deles. Fiquei tímida, confesso. Esse é um exercício ainda novo para mim, mas fui diminuindo o passo quando me aproximava e me arrisquei a dizer qualquer coisa. Fiquei ansiosa, só consegui dizer: “são tão bonitinhas essas amarelinhas”.

O moço não me deu muita ideia, mas disse algo como “é, crescem muito rápido”. Fiquei com medo de estar atrapalhando e só sorri. Fui saindo devagar procurando pelo chão se alguma florzinha daquela tinha ficado por ali. Iria guardar para mim para colar nesse texto. Mas não tinha, os funcionários eram cuidadosos em só tirar o que era mato alto, e tudo que era tirado logo era varrido da calçada.

Em algum momento, depois que falei com o moço, tive certeza que sairia dali com uma flor. Mas acho que é tudo imprevisível: o moço com quem puxei conversa estava ocupado e imerso em cumprir sua tarefa. Ele provavelmente tinha, assim como seus colegas, um horário mais ou menos estabelecido para começar e terminar seu trabalho. Também não sei se já tinha parado para almoçar ou se ainda iria. Se estava cansado ou não. Percebi só que estávamos nós dois em tempos diferentes. Eu passava, vagava sem pressa, já tinha terminado com meu compromisso da manhã, estava com o luxo de poder observar. Ele estava em outro tempo, o do trabalho, da produtividade, do olhar restrito a tarefa que executava, sob um tempo estabelecido: tinha hora de chegar, acabar e ir embora.

Não ganhei a flor como em algum momento minha cabeça se deixou romantizar e pensar que minha experiência teria mais valor se isso acontecesse, mas não ganhar a flor me agregou mais: primeiro, percebi que não estou segura se sei sobre flanar, porque ainda me fecho um pouco por medo de incomodar quem eu puxaria assunto; me questionei se poderia ter me aproximado com outro assunto ou insistido mais. Mas o flâneur parece andar sem expectativa de encontrar, parece que as coisas vêm aos olhos dele (não sei também se essa é uma afirmação equivocada). E em segundo lugar, percebi essa diferença de tempo entre mim e o trabalhador. Pude perceber que a imprevisibilidade de uma pesquisa é rica em potencial de conhecimento, de se deparar.

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