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Na morada dos mortos…

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E a semana que se iniciou com o dia dos mortos, está prestes a terminar com uma visita ao Cemitério: o do Nosso Senhor do Bonfim, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Na verdade isso se deu há, exatamente, um ano, com a apaixonante aula de campo da professora Marcelina das Graças de Almeida, da Escola de Design da UEMG. Às recordações desse dia, dedicamos o nosso #tbt de hoje. Vamos com a gente? 

Por Aline Montenegro Magalhães

Antes de dar início às lembranças do passeio, não poderia deixar de registrar meus agradecimentos, não só à Marcelina, mas também aos professores da UFMG Douglas Attila Marcelino e Ana Paula Sampaio Caldeira, por terem inserido a atividade na programação do 1o Ciclo de Seminários Memória e Cultura Histórica, no qual participei de uma mesa-redonda. Falei sobre o quê? Um doce para quem adivinhar?

Portal de entrada do Cemitério do Bonfim. Inaugurado em 1936, tem a inscrição em latim “Morituri mortuis”, que significa “Os que vão morrer aos mortos”. Foto da autora.

 

Para iniciar a conversa, devo dizer que não gosto de ir a cemitérios. Vou quando não tem jeito, para enterrar parentes, amigos ou parentes de amigos… É sempre muito triste, uma energia de finitude com a qual não lido bem. Não há condolências e orações, abraços e afagos que amenizem essa sensação ruim, que me comprime e angustia.

Há quem frequente o cemitério como forma de manter o contato com o(s) morto(s) amado(s), prestar homenagens levando flores para enfeitar o túmulo, e até o alimento preferido da pessoa que partiu. Aliás, o dia 02 de novembro no México é dedicado a essa prática. Mas não assolada pelo choro e pela tristeza, mas sim, pela festa, pela celebração da memória dos que se foram.

Tomada de uma parte do cemitério com túmulos mais simples. Foto da autora.

Então, voltando ao dia 05 de novembro do ano passado e à ida ao Cemitério do Bonfim. Desta vez foi diferente. Lembrou um pouco a visita turística feita anos antes ao Cemitério da Recoleta, em Buenos Aires, onde fui especialmente para ver o túmulo de Evita Perón. Embora sem estar na situação de perda e flanando pela cidade, não me senti confortável naquele lugar. Achei mórbido e não me demorei muito tempo por lá.

Licença para mais um “parênteses”, pois há algum tempo os cemitérios têm sido divulgados e frequentados como pontos turísticos das cidades. Valoriza-se, principalmente, a última morada de personalidades históricas e celebridades artísticas. Confesso que não é um passeio que me atrai…

Mas, a visita com a professora Marcelina foi muito mais do que um passeio turístico, foi uma verdadeira aula de história sobre Belo Horizonte, sobre arte tumular, sobre a sociedade mineira e sua maneira de lidar com a morte.

 

Por incrível que possa parecer, a visita teve leveza, humor, causos e muitas curiosidades. Assuntos como política, economia, arte e cultura, eram abordados ao longo do percurso, tendo túmulos, esculturas e a própria arquitetura cemiterial como objetos de reflexão.

Edifício do necrotério, que foi mais usado como capela para realização de missas de corpo presente. Foi tomabado em 1977 pelo IEPHA/MG. Fonte: folheto recebido na visita. Foto da autora.

O Cemitério do Bonfim é o mais antigo da capital mineira, foi fundado juntamente com a cidade, em 1897. Quem o projetou foi a Comissão Construtora da Nova Capital que escolheu um lugar distante do centro urbano para enterramento dos mortos, não apenas por questões sanitárias, mas também como uma forma de romper com a tradição católica de sepultamento nas igrejas e no seu entorno. Deveria reproduzir, assim, o desenho geométrico da cidade moderna, em suas 54 quadras divididas entre duas alamedas principais e várias ruas secundárias, mas, sobretudo valores da República recém-proclamada, como a laicidade e a igualdade. Mas não foi isso o que se deu por ali.

Marcelina nos contou como a compra da terra para a última morada tornou-se uma prática burguesa de valorização da propriedade privada e de distinção social. “Mostre-me seu túmulo e eu te direi quem és!” Foi o que pensei enquanto a professora nos mostrava o lugar onde certas personalidades políticas estavam enterradas, como Raul Soares e Júlia Kubitschek. Não se tratava apenas de uma boa localização, próxima às alamedas principais, mas também da arte tumular produzida por artistas renomados e com os materiais mais nobres. Uma tentativa de manutenção dos status da vida para além da morte, em forma de homenagem e demonstração de prestígio.

Explicação sobre a simbologia da coluna clássica incompleta. Não é fruto de destruição, mas sim de sua construção intencional assim, faltando um pedaço, para representar a falta que o ente querido fez, como fragmenta a família e como denuncia a fragilidade da vida. Foto da autora.
Foto da autora.

Na visita também nos foram mostrados túmulos que se transformaram em lugares de peregrinação, estando sempre cheios de flores e carregados de pedidos de graças e agradecimentos. Foi o caso dos túmulos de Irmã Benigna e do padre Eustáquio demonstrando como o cemitério é também lugar de fé e devoção.

Marcelina junto ao túmulo de Irmã Benigna explicando sobre peregrinação e fé no Cemitério do Bonfim. Foto: Valquiria Ferreira da Silva
Túmulo da Irmã Benigna. Foto da autora.

 

Não percorremos o cemitério todo, claro. Seguimos um dos roteiros, observando e interpretando os signos e símbolos da arte funerária, os valores a serem perpetuados por ela como parte da virtude do morto; imagens que o ligam a um ideal político, ideológico ou religioso, assim como ao papel exercido na sociedade. Nada está ali por um acaso. Tudo faz sentido e foi esse sentido que procuramos conhecer ao longo da visita.  

Foi a primeira vez que fui a um cemitério e não quis sair correndo. A necrópole continua não sendo meu destino preferido numa cidade. Mas desde então, nunca mais fui a um cemitério apenas para me despedir. Agora permito-me admirar suas belezas, entendendo-o também como lugar de conhecimento e reconhecimento social e histórico, um lugar de memória, um patrimônio. Como escreveu Philip Ariès, como um “resumo simbólico da sociedade”.

Para saber mais:

Artigos:

http://www.uel.br/eventos/eneimagem/2013/anais2013/trabalhos/pdf/Marcelina%20das%20Gracas%20de%20Almeida.pdf

file:///C:/Users/Prema/Documents/Documentos/Exporvis%C3%B5es/Cemit%C3%A9rio%20do%20Bonfim/A%20cidade%20e%20o%20cemit%C3%A9rio.pdf

Reportagem:

http://g1.globo.com/minas-gerais/videos/t/bom-dia-minas/v/visita-guiada-ao-cemiterio-bonfim-em-belo-horizonte-e-aula-de-historia-a-ceu-aberto/5965087/

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