Doutor Gama em tela: um olhar sobre o filme…
por Alice Mello
Sexta passada (01/10) inauguramos uma nova seção de posts nas nossas redes sociais: as indicações cinematográficas. O protagonista da vez foi o filme lançado em 2021, Doutor Gama, dirigido por Jeferson De. Fiquei encantada com a produção, desde toda narrativa do filme até o cenário de época gravado no centro histórico de Paraty, onde moro. E por isso, não resisti em ficar apenas na postagem das redes sociais e resolvi ir além com esta pequena resenha. Contém leves spoilers!
O filme aborda a história de Luiz Gama, que no filme é interpretado por César Mello, homem negro e nascido sob a vigência da Lei do Ventre Livre, foi vendido pelo seu pai e escravizado quando tinha apenas 10 anos. Aos 18 anos, conquista sua liberdade, se alfabetiza e começa a estudar direito, com intuito de fazer justiça para pessoas em condições de escravidão. Mesmo não tendo formação, por ter sido rejeitado pela academia, Gama recebe uma licença para enfrentar tribunais e ganha destaque e respeito entre os advogados abolicionistas e republicanos da época.
A partir da aprovação da Lei do Ventre Livre, em 1871, Gama conseguiu a alforria de mais escravizados pelas vias judiciais, comprovando seu nascimento a partir de matrículas. Ao todo, estima-se que Gama tenha sido responsável por libertar mais de 500 escravizados durante todo seu período de atuação. Sempre se baseando nas leis vigentes na época, ele ainda denunciava crimes e sentenças errôneas cometidas pelo sistema judicial que era de maioria escravocrata.
No decorrer do filme Gama encontra uma problemática a enfrentar. Seu desafio era defender um homem nascido de ventre livre, porém escravizado que havia sido sentenciado à morte por matar seu senhor. E é evidente nesta cena, onde ele arrisca sua carreira numa causa quase impossível, sua força como ativista na luta abolicionista no Brasil escravocrata. Uma fala muito sensível de Gama sobre essa defesa exemplifica isso:
Há cenas de tanta grandeza, ou de tanta miséria, que por completas em seu gênero, não se descrevem; o mundo e o átomo por si mesmos se definem; assim, o crime e a virtude guardam a mesma proporção; assim, o escravo que mata o senhor, que cumpre uma prescrição inevitável de direito natural, e o povo indigno, que assassina heróis, jamais se confundirão. Todo escravo que mata o senhor, seja em que circunstância for, mata em legítima defesa!
artigo publicado no jornal “A Província de São Paulo” em 18/12/1880
E aqui, trazemos essa indicação para prestigiar tramas que revivem personalidades apagadas em nossa história. Grandes produções como essa são muito importantes pois induzem a caminhar sobre o passado, pensar no que nos foi ensinado e nos questionar sobre quem são os verdadeiros agentes que lutaram mas não foram reconhecidos, não ocupando assim um espaço privilegiado no imaginário social, do movimento abolicionista no Brasil.
E aos interessados, a produção de Jeferson De se encontra na plataforma de Streaming da Globoplay. Em agosto, o filme foi selecionado para ser apresentado no American Black Film Festival, um dos maiores festivais de cinema negro do mundo, que acontecerá neste ano, no dia 3 de novembro, de modo digital e gratuito por conta da Pandemia do Covid-19.
E por fim, após refletir um pouco mais sobre esse filme que dá protagonismo a um dos personagens mais importantes da luta abolicionista e ainda no contexto dos 150 anos da promulgação da Lei do Ventre Livre, deixo aqui uma provocação: Quem são os verdadeiros protagonistas da luta abolicionista e por que estão apagados em nossa história?
Saiba mais sobre o American Black Film Festival: https://www.abff.com/miami/