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Um quadro, muitas histórias Sobre “Domingo de festa na fazenda” de Hans Nobauer

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por Aline Montenegro e Flávia Figueiredo (museóloga do MHN/Ibram)

A obra em questão faz parte do acervo do Museu Histórico Nacional e está exposta na sala “Entre mundos”, no segundo andar do edifício principal do conjunto arquitetônico do Calabouço, no centro da cidade do Rio de Janeiro, próximo à Praça Quinze.

Em breve, a tela estará acessível numa exposição virtual, na plataforma Google Artes e Cultura, na sessão do MHN. A exposição será todinha dedicada a ela, em seus 88cm de altura e 66cm de largura, com a exploração de seus diferentes ângulos e cenas. É uma boa saída para essa pandemia que ainda restringe acessos e encontros. Mas temos certeza de que o desejo de ver essa obra ao vivo não será superado pelo acesso remoto.

Quando a equipe do Museu Histórico Nacional se questionou sobre como a instituição integraria o calendário de exposições alusivo ao dia da Consciência Negra, 20 de novembro, na GA&C, eu, Flávia não titubeei, e propus a exposição do quadro, o qual tantas vezes, como museóloga do MHN, tinha visto, mexido, mas que agora olhava com “olhos de ver”, com lupas e zooms. Um quadro que às vezes passa despercebido, mas que se bem observado possui tantos elementos de um Brasil escravocrata, ao mesmo tempo que representa aspectos da cultura afro-brasileira e outros elementos que todos estão convidados a explorar.

“Domingo de festa na fazenda”, Hans Nobauer, déc. 1920. Acervo: Museu Histórico Nacional. Foto: GA&C.

Tive essa ideia depois de apresentar a obra numa aula do mestrado profissional, que estou realizando na Fundação Casa de Rui Barbosa, dedicando-me ao estudo das representações do feminino em museus. Afinal, constatei que, no pré levantamento feito das pinturas de dois grandes módulos da exposição do MHN, a mulher negra aparece somente neste óleo sobre tela, o que me provocou estranhamento e questionamentos. Na apresentação, chamei a atenção para a figura da ama de leite que aparece em destaque em uma parte da tela, cuidando amorosamente do filho branco, da sinhá branca, em plena festa do dia de domingo.

Mesmo próximas das sinhás, a opressão e a submissão eram uma constante na vida dessas mulheres, que eram obrigadas a abrir mão de seus próprios filhos, que nem de longe tinham o mesmo tratamento das crianças brancas. É o que vimos em outra cena do mesmo quadro, onde aparecem duas crianças negras, presentes porém distantes, desprotegidas, desamparadas…

A forma com que a mulher negra é representada na tela, cuidando do menino branco, sob uma réstia de luz solar que ilumina todo o grupo branco do quadro, próximo à Casa Grande, nos passa uma ideia de satisfação dessa mulher e de uma relação harmoniosa entre senhores e escravizados. Uma imagem que precisa ser problematizada e desconstruída, pois sabemos o quanto a realidade era bem distante disso. Por outro lado, não podemos esquecer a importância dessas mulheres na construção da nossa sociedade, da nossa cultura. Como nos lembra Lélia Gonzalez, “a chamada mãe preta [..] tem um papel importantíssimo como sujeito suposto saber nas bases mesmo da formação da cultura brasileira, na medida em que ela passa, ao aleitar as crianças brancas e ao falar o seu português (com todo um acento de quimbundo, de ambundo, enfim, das línguas africanas), é ela que vai passar pro brasileiro, de um modo geral, esse tipo de pronúncia, um modo de ser, de sentir e de pensar”.

A pintura é de autoria de Hans Nobauer (Viena, 1893 – Rio de Janeiro, 1971), um pintor austríaco, que já havia produzido muitos quadros na década de 1930, sob encomenda de Gustavo Barroso, então diretor do Museu Histórico Nacional. As imagens eram de edificações dos tempos coloniais, especialmente de cidades mineiras, como Ouro Preto e Mariana. Não por acaso, construções que foram alvo da Inspetoria de Monumentos Nacionais, criada pelo Ministro da Educação e Saúde Pública Washington Pires, que funcionou como um departamento do MHN entre 1934 e 1937.

Hans Nobauer. “Casa de Marília”, Ouro Preto – MG. 1928.

“Domingo de festa na fazenda” destoa-se da coleção de obras de Hans Nobauer preservada no MHN, cuja temática é a arquitetura colonial, o que causou surpresa na pesquisa da aquisição da obra. A não ser pela técnica da pintura, que podemos observar ser a mesma comparando com as demais obras, poderia ser confundida com outra autoria, sobretudo pela narrativa ali representada. Pintado na década de 1920, foi adquirido em 1942, via compra feita a Tarcísio Pereira Guimarães, em meio a tantos outros objetos de tipologias diversas. Chama a nossa atenção o fato da obra dedicar-se a uma cena de cotidiano dos tempos coloniais, aproximando seu estilo ao de pintores viajantes do século XIX, como Johann Moritz Rugendas (Augsburg, Alemanha, 1802 – Weilheim, Alemanha, 1858), bem diferente das imagens inspiradas em fotografias, adquiridas na década de 1930.

E vamos parar por aqui para não dar spoiler dessa exposição que tem a nossa curadoria e montagem da museóloga Adriana Bandeira. Em breve será inaugurada no ambiente virtual do MHN, na GA&C para que vocês também possam fazer suas leituras e, se possível, compartilhar conosco. Acompanhem a divulgação no site do MHN e nas redes sociais do museu, e não deixem de conferir!

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