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Feliz Natal, com teimosia e resistência!

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por Aline Montenegro Magalhães

O Natal se aproxima… luzes se acendem quando a noite cai, colorindo as cidades. Presépios se espalham em igrejas, estabelecimentos comerciais, portarias de prédios, lembrando o nascimento de Jesus. Entre papais-noéis, árvores enfeitadas e o espírito de confraternização concorrendo com a fúria consumista, arrumo minha casa nova. Esvazio caixas, organizo livros na estante e me pego a folhear o Catálogo do Museu de Quilombos e Favelas Urbanos – Muquifu, Igreja das Santas Pretas, adquirido em visita recente ao lugar.

Em uma de suas páginas, encontro a cena “natalina” pintada por Cleiton Gos e Marcial Ávila. “O nascimento de Jesus” é parte do afresco “Igreja das Santas Pretas” que ocupa três enormes paredes da Capela Maria Estrela da Manhã, na Vila Estrela, Aglomerado Santa Lúcia, em Belo Horizonte (MG). Embora a capela seja ligada à Arquidiocese de BH, corresponde a um dos espaços do Muquifu que tem curadoria do padre Mauro Luiz da Silva.

Detalhe da cena “O nascimento de Jesus”. Cleiton Gos e Marcial Ávila. Parte do Afresco “Igreja das Santas Pretas” na Capela Maria Estrela da Manhã Belo Horizonte, MG. Foto: Bianca de Sá. (Reprodução do catálogo “Igreja das Santas Pretas”)

O afresco representa passagens bíblicas da vida de Maria. Entretanto, são outras Marias, 14 mulheres pretas da comunidade, as retratadas no papel da mãe de Jesus, em diferentes situações, que aproximam suas vivências às Sete Dores e Sete Alegrias da Virgem Santa. Ao contar a história de Maria, desde a anunciação do Anjo Gabriel até sua coroação no Céu, as pinturas falam de perdas e conquistas, teimosias e resistências dessas mulheres do Aglomerado Santa Lúcia. Lembram a história de Belo Horizonte e seu projeto urbano excludente, sempre a expulsar a população pobre do centro para as favelas e periferias. Denuncia o racismo que maltrata e mata a população negra, e suas tentativas de apagamento dos cultos afro-católicos na cidade, como a destruição da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e seu cemitério, no antigo Arraial do Curral del Rey, para a construção da nova capital de Minas Gerais, em finais do século XIX, e a proibição da Congada, a partir de 1923, pelo Bispo Dom Antônio dos Santos Cabral. Recentemente, o Largo do Rosário, onde estava a igreja, foi reconhecido como patrimônio cultural da cidade, graças às iniciativas do projeto “Negricidade”, também coordenado pelo Padre Mauro. E as festas de coroação de Reis e Rainhas do Congo são bem-vindas ali, tendo no Muquifu um lugar de valorização, pesquisa, e divulgação.

A “Igreja das Santas Pretas” – na Capela Maria Estrela da Manhã – honra a ancestralidade das mulheres pretas da comunidade. Estabelece elos, num gesto de reparação, com negras e negros que foram destituídos de seu templo, sua Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, e relegados às periferias. Se a construção de Belo Horizonte soterrou igreja e cemitério, essa memória não foi apagada e a capela da Vila Estrela se abre para “aí ser a Santíssima Senhora louvada”, lembrando a carta dos membros da Irmandade, de 1807, solicitando autorização a Dom João VI, para a construção da igreja.

O afresco retrata a luta de mulheres como Maria da Conceição Fróis, Generosa Mercês dos Santos, D. Jovem (a autora do Chá), a Rainha Maria Marta, entre outras, por uma “igreja de verdade”, onde pudessem se encontrar para rezar e cozinhar. Afinal, correram o risco de perder o “barracão”, ou a “igrejinha”, onde se reuniam “entre o altar e o fogão”, quando, em 1990, o Bispo Dom Werner autorizou a venda do edifício. Foi com muita teimosia e resistência que essas mulheres conquistaram o espaço, com a crucial ajuda do Padre José Muniz. Nas palavras dele, em visita ao lugar em 2017: “Comprei pra elas […] não podíamos deixá-las sem um lugar para continuarem se encontrando”.

Cena “O nascimento de Jesus”. Cleiton Gos e Marcial Ávila. Parte do Afresco “Igreja das Santas Pretas” na Capela Maria Estrela da Manhã Belo Horizonte, MG. Foto: Bianca de Sá. (Reprodução do catálogo “Igreja das Santas Pretas”)

“O nascimento de Jesus” é a 3ª cena e 3ª alegria de Maria. Tendo a favela como cenário desse acontecimento, tanto Maria, como o Menino Jesus e os Reis do Oriente são negros, o que aproxima a religião da população do lugar, maioria negra. Maria da Natividade é Isaltina da Silva Ferreira, tia Neném, que trabalhou como empregada doméstica e tinha o costume de receber os amigos na laje de sua casa, sentada em seu “trono de princesa”. Emerenciana Alves Rodrigues é Maria da Epifania, na janela do barraco, a anunciar o nascimento de Jesus e a convocar todos para a Caminhada da Paz que teve sua primeira edição em 2000, mantendo-se viva até 2016, sempre no dia 12 de outubro, como forma de combater a violência na comunidade, especialmente a que era praticada por policiais. Um dos Reis Magos é Frei Claudio Van Balen, aquele que oferece ouro ao menino Jesus. Homenagem merecida a quem “ajudou financeiramente na construção da capela e com outras ações importantíssimas pra comunidade local.” Conforme nos contou Padre Mauro.

Ísis Pimentel e eu integrando a Caminhada da Paz. Agosto de 2019. Foto: Cleiton Gos. Acervo pessoal

No alto do céu, brilha a Estrela Dalva ou Estrela Guia ou Estrela de Belém a iluminar a noite até o raiar do sol. Que o brilho dessa estrela nos abençoe e ilumine nossos caminhos em 2023! Que fortaleça o brilho de outra que tentaram apagar, mas que hoje alimenta nossa esperança de dias melhores. Que teimosias e resistências continuem a promover reparação e valorização da história e da cultura afro-brasileiras!

Boas Festas!!!!

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P.S.1 Para saber mais sobre a Igreja das Santas Pretas, vale muito uma visita ao Muquifu, especialmente acompanhada por Padre Mauro e Cleiton Gos. Mas se você estiver com muita curiosidade, vale comprar o catálogo “Igreja das Santas Pretas”, nossa principal fonte para a escrita deste artigo. Custa R$ 50,00 e você pode adquirir através do Muquifone: +55 31 98798-7516, do Muquizap: +55 31 99257-0856 ou pelo Muquimail: comunicacaomuquifu@gmail.com

P.S.2 Agradeço imensamente ao Padre Mauro pelos ensinamentos e pela força para compartilhar estas notas sobre um lugar tão pulsante e potente na cidade de Belo Horizonte, que acolhe, respeita e repara dores e perdas. Um salve à nossa “Muquirmandade”!

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