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Obrigada, Solange Godoy!

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por Aline Montenegro Magalhães

Não me lembro quando nos conhecemos pessoalmente. Talvez porque já a conhecesse há muito tempo, de tanto ouvir falar sobre sua atuação corajosa e transformadora na direção do Museu Histórico Nacional, entre 1985 e 1989. O tempo foi curto, mas intenso… Afinal o MHN jamais seria o mesmo após a gestão da museóloga e historiadora Solange de Sampaio Godoy, a primeira mulher a dirigir um dos maiores museus de história do país.

Solange Godoy, diretora do Museu Histórico Nacional (1985-1989), em seu gabinete. Acervo MHN

Enfrentando o desafio de revitalizar e dinamizar um museu conservador e mal conservado, Solange Godoy abriu o museu ao diálogo com a universidade, estabeleceu parceiras, incentivou a pesquisa, articulou a Nova Museologia com a Nova História para produzir e contar outras histórias. Incentivou a aquisição de coleções, como a do indigenista Luís Felipe Cipré de objetos oriundos dos povos originários, reformou galerias e outros espaços do conjunto arquitetônico do Calabouço e, entre tantas outras realizações, promoveu uma das exposições mais arrojadas sobre a história do Brasil, em plena aurora da redemocratização do país.

Montou e liderou uma equipe interdisciplinar que formulou e inaugurou a exposição “Colonização e dependência”. Conhecida como módulo dois do projeto expográfico que quebrava a linearidade histórica da sucessão de acontecimentos, para valorizar uma abordagem temática e crítica da história, “Colonização e dependência” denunciava as relações imperialistas que ainda comprometiam a autonomia do Brasil e convocava os visitantes a assumirem o protagonismo na mudança dessa história. Em seus escritos a respeito da proposta expositiva, Solange enfatizava que o público não era mero espectador, apreciador passivo do passado construído nas galerias do museu, mas sim, sujeito histórico a conhecer e a interferir na realidade. E o museu deveria ser lugar privilegiado para essa reflexão, instrumento de transformação.

Quando comecei a trabalhar no Museu Histórico Nacional, ainda como bolsista de iniciação científica e mediadora nas exposições, Solange Godoy não era mais a diretora, mas sua presença permanecia muito forte, não só pelo legado que deixou, mas por sua atuação junto à Associação de Amigos do MHN, criada na sua gestão, e na participação em projetos que contavam com sua expertise e generosidade.

Talvez eu não tenha a capacidade de expor a grandeza de sua trajetória e a riqueza de suas contribuições, uma referência no campo da museologia que ela ajudou a construir. Foi professora no Curso de Museus, atual Escola de Museologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), onde se formou em 1961. Foi curadora de exposições memoráveis como “Com a palavra, D. Leopoldina” realizada no Museu Histórico Nacional em 2014, posteriormente ampliada no Museu de Arte do Rio com o nome “Leopoldina, princesa da Independência, das artes e das ciências”, realizada em parceria com Luís Antonelli e Paulo Herkenhoff. Publicou artigos e livros como “Círculo das Contas. Jóias de crioulas baianas” (2006), “O avô do tempo: diário de um meteorologista” (2009), e, mais recentemente, “O Livro das Opalinas – Lágrimas do Arco-Íris” (2022), este em coautoria com Luís Antonelli.

Capa do livro “O avô do tempo: Diário de um meteorologista” lançado em 2009. Solange Godoy, a autora, aparece na foto junto ao seu avô, Joaquim de Sampaio Ferraz
Eu pegando o meu autógrafo do livro “O avô do tempo…”, 27/08/2009. Foto: acervo pessoal da Solange Godoy.

Mais do que falar sobre Solange Godoy, quero prestar-lhe uma homenagem em forma de agradecimento. Muito obrigada pelo convívio e pela oportunidade de aprender. Por compartilhar tantas memórias de suas vivências pelos museus e pelo mundo. Pela receptividade quando assumi a direção do MHN, em fevereiro de 2022, quando ela integrava a direção da AAMHN. Agredecer pelos diálogos, pelas trocas e pela parceria incondicional, especialmente, durante a minha gestão. Obrigada pelo Museu Histórico Nacional que deixou para as novas gerações.

Nosso último encontro presencial foi quando tive o prazer de entregar-lhe a Moção Honrosa pela importância de seu trabalho no MHN. No Ano do centenário do museu, fomos agraciados com a Medalha Tiradentes da ALERJ, pelas mãos do deputado Luiz Paulo, em 18 de maio do ano passado, ocasião em que as moções honrosas foram entregues aos ex-diretores do MHN. Foi um momento de compartilhamento da alegria pelo reconhecimento e da esperança em um futuro promissor no MHN.

Solange Godoy recebendo Moção Honrosa da ALERJ na ocasião da entrega da Medalha Tiradentes pelo deputado Luiz Paulo (à esquerda), 18/05/2022. Fonte: acervo MHN

Outra participação no centenário do MHN pode ser conhecida no livro comemorativo “Histórias do Brasil em 100 objetos. Museu Histórico Nacional 1922-2022”, no qual contribui com o capítulo sobre uma gravura do desembarque de d. Leopoldina. Assim, segue como inspiração pra mim, para os profissionais dos museus e da museologia, e para os que estão por vir. A tristeza por sua partida repentina, no último domingo, dia 15 de janeiro, é do tamanho da gratidão pelo conjunto de sua obra e existência. Sentiremos muito a sua falta. Obrigada, Solange de Sampaio Godoy.

P.S: Aproveito para transmitir meus sentimentos ao Arquiteto e museólogo Luís Antonelli, meu colega no MHN durante muitos anos, que foi companheiro de vida e de muitas realizações de Solange. Meus sentimentos também aos filhos Rodrigo e Fernanda e a netinha Valentina.

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Para saber mais:

CHAGAS, Mário de Souza; GODOY, Solange de Sampaio. Tradição e ruptura no Museu Histórico Nacional. Anais do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, v. 27, p. 31-59, 1995.

GODOY, Solange de Sampaio; LACERDA, Luís Carlos Antonelli. Museografia e museu: um estudo de caso nos oitenta anos do Museu Histórico Nacional. Anais do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, v. 34, p. 167-188, 2002.

MUSEU HISTÓRICO NACIONAL. São Paulo: Banco Safra, 1989.

SÁ, Ivan Coelho e SUIQUEIRA, Graciele Karine. Curso de Museus – MHN, 1932-1978: alunos, graduandos, e atuação profissional. P. 148-151.

Comentário

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