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“Venham ouvir o Museu do Ipiranga…”

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por Romney Lima

Você não leu errado. É isso mesmo. É sobre ouvir o museu que vamos tratar aqui. Essa história começou em 2014, quando estava lendo a biografia do músico paulista, Adoniran Barbosa, escrita por Celso Campos Jr, e me deparei com a informação de que ele era parceiro musical de Osvaldo Moles, um “homem de rádio” que escreveu, dirigiu e produziu um monte de programa nas rádios de São Paulo.

Porém, o que me chamou atenção foi um programa chamado Museu do Ipiranga, que esteve no ar, pela Rádio Bandeirantes de São Paulo, nos anos 1950, e que tinha a supervisão de Sérgio Buarque de Holanda, historiador e então diretor do Museu do Ipiranga.

Cerca de uns 3 anos depois, entrei em contato com o Centro de Documentação e Memória da Rádio Bandeirantes, coordenado pelo jornalista Milton Parron e consegui alguns poucos fragmentos de áudios do programa, que tenho o prazer de compartilhar aqui com vocês, especialmente duas músicas tocadas durante a programação: o jingle do Conhaque Ipiranga, produzido pela Destilaria Ypiranga, o patrocinador do programa, e a vinheta de abertura (ao final do texto).

O jingle  é um delicioso baião que relaciona a bebida com o famoso grito “Independência ou Morte!”, supostamente proferido por D. Pedro I, em 1822, às margens do riacho Ipiranga, que mais tarde, daria nome ao bairro, onde também se localiza o monumental edifício do museu. Museu que abriga o famoso quadro de Pedro Américo, Independência ou Morte, produzido em 1888, provavelmente, fonte de inspiração para o jingle:

“Quando chega no balcão, no inverno ou no verão, dê o grito de Ipiranga no conhaque sempre bom, o conhaque Ipiranga…Sim!!! quando chegar no balcão dê um grito de Ipiranga. Exija conhaque Ipiranga que é um verdadeiro monumento. Conhaque Ipiranga. Dê o grito de Ipiranga, o conhaque sempre bom, sempre bom, sempre bom…”

DESTILLARIA Ypiranga: Cognac Velho Fine Champagne. [S.l.: s.n.]. 1 rótulo, litograv., col, 11,2 x 12,3cm.

Já a vinheta, tocada pela orquestra do maestro Benjamin Silva Araújo, apresenta a proposta do programa, misturando diversas ciências com ensinamento e alegria.

Venham ouvir o Museu do Ipiranga onde há História, Filosofia, onde há Teatro, Ideologia, onde há divertimento e alegria… Antropologia, Filosofia, Egiptologia, Geologia, Anatomia, Patologia, Poesia e Astronomia…Venham todos ao Museu do Ipiranga onde há História, Filosofia, Antropologia, astronomia, Ideologia, onde há ensinamento e alegria…..

Com a intenção de instruir o público com informações sobre história e outras ciências, o programa fazia parte de um amplo conjunto de programas criados por Moles, que entendia o rádio, também, como um instrumento de educação. Entre os programas por ele produzidos dentro dessa linha, cito “Grandes processos da História” (1946), ”História da Literatura Brasileira” (1952-1954), “Histórias do Brasil” (1954) e “História das malocas (1955 a 1965).

O programa Museu do Ipiranga, procurava dialogar com diversas ciências (como o próprio jingle sugere). Apesar de cada vez mais as rádios apostarem em programas com expectativas de grandes audiências, sobrava espaço para outros tipos de programação e nesse sentido, a atuação de Osvaldo Moles foi primordial para atrair patrocinadores, reunir o elenco e os músicos, e colocar na grade da rádio programas educativos.

Os programas eram feitos ao vivo no auditório e se utilizavam da música e das representações teatrais, em especial as de humor, linguagens já consolidadas no rádio. A divulgação de histórias divertia os ouvintes e a plateia presente no auditório, ao mesmo tempo em que os convidava a conhecer o Museu Paulista.

No roteiro do programa de estréia, por exemplo, para explicar ao público o nome inusitado, é contada uma história sobre o Papa Pio XI, que depois de receber diversos artistas que queriam pintar um retrato seu, é surpreendido por um pedido de autógrafo na obra de um desses desconhecidos pintores que o retratara. E acontece o seguinte diálogo:

Narrador: O Santo Papa empunhou o pincel e escreveu em letras bem grandes….
Darcio (no papel de Papa Pio XI): Evangelho de S. João – Sexto -Vinte – Pio XI.
Narrador: Encantado, o pintor foi para sua casa e abriu a Bíblia. Lá estava no Evangelho de São João, sexto, vinte”.
Darcio (Papa Pio XI): Sou eu, sim. Não tenhais medo!.

Essa história serviu de mote para explicar ao público o nome do programa ser Museu do Ipiranga.

Narrador: É claro que, neste momento em que apresentamos o primeiro programa Museu do Ipiranga, não vamos pintar retratos, nem usar do mau hábito de cuspir cultura. Apenas vamos botar todo nosso gênio, a nossa boa vontade para fazer um bom programa que obedeça o título…E, de certo, o Museu do Ipiranga, aquele que repousa às margens plácidas do riacho, dirá, quando vir este retrato radiofônico:…- Sou eu, sim…. Não tenhais medo!.

É com base nessa visita “radiofônica” dos ouvintes que se percebe a ideia de que o rádio poderia divulgar o museu como espaço de conhecimento. Um lugar onde os visitantes, em contato com os objetos ou apenas no passeio, como acontece em outros roteiros do programa, adquirem conhecimento histórico sobre diferentes temas, como o tempo, os festejos juninos, literatura, história da água na cidade de São Paulo, Santos Dumont, entre outros.

No museu as pessoas aprendiam pela voz do cicerone ao circular pelas exposições. No “museu radiofônico” o conhecimento era divulgado com base na articulação e no divertimento – cabendo aqui ressaltar que o rádio já se consolidara como um veículo de diversão e lazer e que vários intelectuais e produtores estavam atentos para o potencial deste veículo de comunicação para aliar o saber com o lúdico.

Contando com os mais importantes artistas e cantores da rádio e tendo ao lado um patrocinador, finalmente Moles pode dar início a essa empreitada. Até o momento, não foi possível saber quantos programas foram ao ar, o que foi possível saber é que ficou na grade da Bandeirantes até o final de 1952 ou início de 1953.

A pesquisa faz parte de minha dissertação de mestrado e está na reta final, sob a orientação da Professora Juçara da Silva Barbosa de Mello do programa de História Social da Cultura da PUC-Rio, a quem desde já agradeço pela paciência e atenção as minhas pesquisas. O que apresentei aqui foi uma “palhinha” desse programa, que apesar de não ter feito tanto sucesso, foi muito importante para consolidar Osvaldo Moles como um dos mais criativos produtores de rádio do Brasil.

Aproveito este espaço, para agradecer aos jornalistas Milton Parron e a Carla Bigatto da Rádio Bandeirantes e à família Moles, em nome da sua sobrinha-neta Beatriz Savonitti e seus filhos, Gabriel e Pedro Savonitti.

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PARA SABER MAIS:

CALABRE, Lia. A Era do Rádio. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2002.

CAMPOS JÚNIOR, Celso de. Adoniran – uma biografia. 2ª Edição. São Paulo, Editora Globo, 2009.

MICHELETTI, Bruno Domingues. Osvaldo Moles: o legado do jornalista. Dissertação de Mestrado defendida no programa de pós-graduação em Comunicação da Universidade Paulista – UNIP. São Paulo, 2015.

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