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Joaquim de Oliveira Álvares: a persistência de um retrato no Museu Paulista

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por Tatiana Vasconcelos dos Santos

“Estou inteiramente de acordo com esta opinião: há nomes fracos”

Figura 01 –Hélio Nobre/José Rosael. Vista parcial da escadaria do Museu Paulista da USP.2010. Fotografia digital.
Acervo Museu Paulista/USP

A relação dos retratados que figuram na decoração do prédio do Museu Paulista, dedicada aos “próceres da Independência”, não estava totalmente definida quando os quadros foram encomendados entre 1919 e 1922. A negociação e consulta dos personagens a serem “homenageados” no projeto decorativo contou com a interlocução de Afonso Taunay, diretor da instituição, com o governo do Estado de São Paulo, representado por Washington Luís, além de membros do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB), como Basílio de Magalhães e Theodoro Sampaio, por exemplo.

Mesmo sem ter a definição dos nomes concluída, Taunay começou uma consulta sobre os retratos destes “grandes vultos” junto a instituições, como a Biblioteca Nacional e o Arquivo Nacional, ambos situados no Rio Janeiro, além de publicar notas em jornais de ampla circulação solicitando as efigies de vários “homens da Independência”. Este pedido também se estendeu aos familiares dos próprios próceres no intuito de conseguir matrizes para as encomendas dos retratos.

Os retratos foram o foco inicial das primeiras conversas entre Taunay e o Governo do Estado de São Paulo sobre a preparação do prédio do Museu para os festejos do centenário de Independência do Brasil, a ser celebrado em 1922. O primeiro projeto apresentado para os 24 “espaços vazios”, legados pelo próprio engenheiro-arquiteto Tommaso Gaudenzio Bezzi na época da construção do edifício, propunha, por exemplo, que os nove retábulos semicirculares – local atualmente ocupado pelos brasões – tivessem “duas cabeças” cada. Após consultar Basílio de Magalhães sobre os nomes para estes espaços, Taunay propõe o par General Labatut e Marechal de Oliveira Álvares para um dos retábulos.

O nome de Oliveira Álvares foi ventilado por Basílio de Magalhães quando este apresentou sua proposta de nomes para a escadaria organizados em três grupos de cinco (não tivemos acesso a carta de Taunay enviada a Basílio de Magalhães, logo não é possível afirmar, até o momento, se o nome foi proposto por Basílio ou se ele concordou com a proposta do “ilustre amigo”).

O retrato do Marechal foi localizado em 1919, quando Sebastião Vieira de Carvalho, neto de Oliveira Álvares, escreveu a Taunay em carta de 10 de novembro de 1919, após ler um dos anúncios nos jornais, dizendo que possuía uma fotografia que reproduzia o retrato de seu antepassado que estava em Bruxelas e ofertou remetê-lo desde que Taunay o devolvesse, pois não queria “se desfazer da relíquia” (Figura 02).

Figura 02 – Autoria desconhecida. Marechal Manoel Joaquim Oliveira Álvares. 1920d. Negativo de vidro, 18cmx13cm.
Acervo Museu Paulista/USP. Reprodução: Hélio Nobre/José Rosael.

E, de fato, Vieira de Carvalho enviou o registro fotográfico do retrato a Afonso Taunay em dezembro de 1919. Este fez cópias do retrato fotográfico de Oliveira Álvares e os remeteu, junto ao original, a Sebastião Vieira de Carvalho em janeiro de 1920.

No entanto, alterações no projeto inicial referente à sanca impactaram nas escolhas das disposições das obras, uma vez que os retábulos foram destinados aos brasões, e o retrato do Marechal de Oliveira Álvares não entrou nesta primeira rodada em que foram encomendados os retratos dos próceres de primeiro escalão, sendo eles: D. Pedro I, José Bonifácio, Gonçalves Ledo, Clemente Pereira e Diogo Feijó, expostos no Salão Nobre.

O projeto da sanca foi esboçado pelo pintor Rodolfo Amoedo no final de 1919 e previa dezoito retratos e quatro painéis. Finalmente, em 1921, os pintores Oscar Pereira da Silva e Domenico Failutti fecharam contrato com a diretoria do Museu e foram os responsáveis pela execução dos retratos e painéis da sanca, os mesmos que executaram os retratos que estão no Salão Nobre, já mencionados, e os quatro medalhões da escadaria (Antônio Carlos e Martim Francisco – irmãos de José Bonifácio -, José Joaquim da Rocha e Januário Barbosa). Neste momento, Taunay enviou ao Secretário do Interior, Alarico Silveira, a proposta dos dezoito nomes para avaliação, na qual Oliveira Álvares estava presente entre os chefes militares tidos por destacados na Independência, sendo eles: Joaquim de Oliveira Álvares, Xavier Curado, Lord Cochrane, Labatut e Lima e Silva (Visconde de Magé).

Após um relativo silêncio nas cartas, encontramos uma nova consulta para os dezoito nomes sugeridos, agora endereçada à Capistrano de Abreu (mestre de Taunay, vale observar) e Washington Luís, sendo que o nome de Oliveira Álvares já não estava mais na lista.

Deu-me o Dr. Alarico Silveira a impressão que ambos tiveram da lista por mim proposta para os retratáveis da escadaria do museu. Estou inteiramente de acordo com esta opinião: há nomes fracos.

(Carta de Afonso Taunay a Washington Luís em 31 de maio de 1921 – FMP: Série Correspondência)

Apesar do ter o retrato localizado e de ainda ter “espaço vazio” no prédio no momento das negociações finais dos nomes selecionados para o panteão, Oliveira Álvares não teve seu retrato destacado no prédio do Museu. Seu nome foi gravado na placa de bronze que fica na lateral e abaixo da escadaria, junto a tantos outros personagens (Figura 03).

Figura 03 – Autoria desconhecida. Placa: Museu Paulista, peristilo – placa em homenagem aos próceres da Independência. 1930d. Negativo de vidro, 24cmx18cm.
Acervo Museu Paulista/USP. Reprodução: Hélio Nobre/José Rosael.

Enquanto estava realizando minha pesquisa de mestrado localizei o retrato de Oliveira Álvares – não o registro fotográfico, mas um retrato feito com pastel – na reserva técnica do Museu Paulista, realizado por D. Failutti, mas sem identificação do ano (Figura 04).

Figura 04 – Domenico Failutti. Marechal de Oliveira Álvares [estudo]. 1920d. Pastel, 122cmx87cm.
Acervo Museu Paulista/USP. Reprodução: Hélio Nobre/José Rosael.

A localização deste retrato me fez interrogar sobre a trajetória de outros nomes que entraram e caíram das listas de consultas endereçadas por Taunay até a cristalização dos nomes que figuram no panteão do Museu Paulista. Os “nomes secundários” são os que mais podemos observar nesta movimentação de “sobe e desce” nas listas e, ao mesmo tempo, são os que mais ofertam informações sobre as operações de recordar e esquecer (e aqui nem entro na questão dos apagamentos, cruéis e violentos).

Outro “achado” que me instigou a seguir nestas investigações foi a localização no livro de Inventário, realizado em 1932, sobre o material exposto à visita pública nas diversas salas do Museu Paulista, a exposição do retrato do Marechal Oliveira Álvares, algo que pude confirmar através da conferência da técnica e dimensões descritas no Inventário e que conferem com o que foi localizado na reserva técnica.

Retrato do Marechal J. de Oliveira Alves. Pastel de D. Failutti, dádiva do Dr. Afonso Taunay. (Pastel, 1.32 x 0.96)

(Inventário de 1932 – FMP: Série Inventários do Acervo)

Nesta sala (A-14) dedicada ao mobiliário antigo brasileiro e retratos antigos esteve exposto, entre outros personagens, o retrato do Barão de Souza Queiroz. A julgar a relação próxima de Afonso Taunay com a família Souza Queiroz, já que casado com Sara de Souza Queiroz, este reaparecimento do “estudo” não é tão sem propósito quanto à primeira vista poderia parecer. O fato de o retrato ter sido uma “dádiva” do próprio Taunay ao Museu só parece reafirmar tal desconfiança…

Algumas perguntas me acompanham nesta investigação: Qual o protagonismo dado a Oliveira Álvares por Taunay? Qual foi o critério de “exclusão” do seu nome do panteão, já que tinha todos os requisitos formais necessários para estar no panteão figurativo? Quantos outros esboços/estudos estão na reserva técnica aguardando algum curioso identificar seu nome? O quanto eles podem revelar das tramas e operações da memória e seus usos políticos? Seguimos mergulhando nos registros…

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PARA SABER MAIS

LIMA JUNIOR, Carlos Rogerio. O Príncipe D. Pedro e Jorge de Avilez a bordo da Fragata União, de Oscar Pereira da Silva: a Independência em tons belicosos. In: Navigator: subsídios para a história marítima do Brasil. Rio de Janeiro, V. 15, n. 29, p. 64-84 – 2019.

MARINS, Paulo Cesar Garcez (coord.). Uma História do Brasil. São Paulo: EDUSP, 2022. Coleção Museu do Ipiranga, Vol. 2

OLIVEIRA, C. H. L. S. Retrato ficcional e implicações historiográficas: a figura de Gonçalves Ledo na decoração interna do Museu Paulista. In: Cecilia Helena L. de Salles Oliveira. (Org.). O Museu Paulista e a gestão de Afonso Taunay: escrita da história e historiografia, séculos XIX e XX. 1ed. São Paulo: Museu Paulista da USP, 2017, v. 1, p. 115-158.

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