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Avenida Passos, 49: um terreno de costas para a cidade

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por Victor Hugo Martins

Figura 1: Visão do terreno da Avenida Passos, 49, da perspectiva do pedestre, 2023. Fonte: Google StreetView.

Da Avenida Passos, do interior do ônibus, atrás de um longo muro verde só se vê uma estrutura metálica alta que sustenta uma lona preta. A presença desta lona não-identificada em maior parte do campo de visibilidade da via reflete e perpetua um histórico excludente que, neste terreno, engendrou o campo da arte acadêmica brasileira.

A estrutura branca causa um estranhamento na paisagem do Centro do Rio de Janeiro, seja pelo seu posicionamento, assimétrico em relação à principal via da região; escala, alcançando altura maior que muitos sobrados do entorno; e materialidade, por estar cercado de edifícios dos séculos XIX e do início do XX, muitos ricamente ornamentados com peças de gesso, cerâmica e cantaria. O pedestre que, curioso, adentra pela Travessa das Belas Artes (já uma dica da memória local que se escolhe para inscrição e preservação) é confrontado então por uma reprodução em tamanho real da fachada da Academia Imperial de Belas Artes, projetada em 1826 e finalmente demolida em 1937.

A imagem, posicionada de acordo com a localização original do edifício, no eixo “[…] mau, estreitíssimo, sem vista, por ser situado num beco […]” (TAUNAY, 1956 apud FERNANDES, 2017, p. 122) relembra, através da sua escala monumental, a monumentalidade da própria Academia, criada por decreto em 1816 e sediada pela primeira vez no edifício de Grandjean de Montigny, formando e empregando artistas como Jean-Baptiste Debret, Pedro Américo, Eliseu Visconti, importantes elementos para o estabelecimento da imagem nacional na arte acadêmica, idealista, militar, branca. O conjunto foi então demolido em 1937 após mais de um século de alterações programáticas e arquitetônicas, em, ironicamente, outra tentativa de “modernizar” a paisagem da cidade e do país. O edifício, vítima então das consequências da sua própria ideologia de progresso europeizado e racional, que passou, com os anos, a considerá-lo inadequado; foi relembrado no ano de 2017 com a implantação da reprodução de sua fachada após projeto de reurbanização do trecho pelo grupo Mongeral Aegon.

Figura 2: Lona reproduzindo a fachada da Academia Imperial de Belas Artes, 2023. Fonte: o autor.

Com um investimento de 4 milhões de reais (SÉ, 2017), a seguradora reurbanizou duas vias do entorno do terreno, nivelando a caixa de rua, tornando-a de circulação somente de pedestres; alterando postes metálicos contemporâneos por peças “de estilo”, mais adequadas à ambiência do edifício do século XIX; e implantando placas informativas da historicidade do local (por mais que dividam igualmente a área dedicada aos textos informativos e à logomarca da seguradora). Esta “renovação”, que mais tem características passadistas do que modernizadoras, entretanto, se demonstra tão superficial quanto sua fina lona neoclássica.

Figura 3: Placas informativas do projeto de reurbanização da Rua Imperatriz Leopoldina, 2023. Fonte: o autor.

O terreno em si, que ao longo dos anos foi ocupado pelo edifício da AIBA, pelo Ministério da Fazenda, entre outras edificações de importância histórica e que contemporaneamente tem seu entorno ocupado por eventos de característica interseccional, jovem e inclusiva como festas do coletivo Wobble e intervenções artísticas do Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica; se mantém enclausurado, isolado por seus altos muros verdes e em estado precário, com vegetação que cresce do seu concreto rachado após abandono do seu uso de estacionamento em 2019. Quanto é realmente preservado da memória deste local? Quais são as novas interpretações permitidas?

Figura 4: Visão do terreno da Avenida Passos, 49, a partir do edifício das Casas Franklin, 2023. Fonte: o autor.

A prática da seguradora me parece sintomática. Uma dita “preservação” que, na realidade, só faz associar um momento histórico e uma importante instituição artística nacional à imagem desta empresa de seguros e previdência, de forma que “eleva” ambas as partes, um tipo de “virtue signaling” que, na prática, nada produz. Contrariamente, as escolhas pela reurbanização polida e criadora de ambiência parece mais uma fantasia de um Brasil ainda imperial, branco e tradicionalista, em detrimento da vida que ocupa atual e verdadeiramente este espaço.

Enquanto projeto, a lona impressa com a fachada da Academia Imperial de Belas Artes parece falhar. Se destaca negativamente do seu entorno e rememora de forma acrítica e cristalizada um período histórico único, ignorando as outras existências que ocuparam e ocupam este mesmo local. Enquanto símbolo, entretanto, a imagem reflete precisamente. Similarmente à instituição reproduzida na lona, este local se mantém exclusivo e excludente, paralisado em uma temporalidade notavelmente elitista, branca e masculina, enquanto se fecha para a cidade viva, diversa e impermanente.

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PARA SABER MAIS:

FERNANDES, Cybele Vidal. O Palácio da Academia das Belas Artes. O ensino artístico versus o espaço da Academia. In: Ana Cavalcanti; Marize Malta; Sonia Gomes Pereira. (Org.). Histórias da Escola de Belas Artes. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2ª ed., 2017. p. 121-128.

GABLER, Louise. Academia Imperial de Belas Artes. In: Dicionário da Administração Pública Brasileira do Período Imperial (1822-1889), [S.l.], 2015. Disponível em: https://bit.ly/2CDSK7b. Acesso em: 28 ago. 2022.

GABLER, Louise. Academia de Belas-Artes. In: Dicionário da Administração Pública Brasileira da Primeira República, [S.l.], 2019. Disponível em: http://mapa.an.gov.br/index.php/dicionario-primeira-republica/740-escola-nacional-de-belas-artes. Acesso em: 28 ago. 2022.

SÉ, Rafael Sento. Painel lembra obra de Grandjean de Montigny na Praça Tiradentes. Veja Rio, Rio de Janeiro, 17 nov. 2017. Disponível em: https://vejario.abril.com.br/cidade/painel-lembra-obra-de-grandjean-de-montigny-na-praca-tiradentes/. Acesso em: 07 mai 2023.

TRINDADE, Mauro. A construção da ruína: A demolição da Academia Imperial de Belas Artes e o iconoclasmo modernista através da imprensa. In: Ana Cavalcanti; Marize Malta; Sonia Gomes Pereira. (Org.). Histórias da Escola de Belas Artes. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2017, 2ª ed., p. 129-134

 

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