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Petrópolis industrial na Exposição Nacional de 1908

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por Aline Montenegro Magalhães

Uma “Cidade Imperial”, é como Petrópolis geralmente figura no nosso imaginário. Aliás, esse título lhe foi atribuído e tem sido reiteradamente defendido, especialmente quando se trata do fomento ao turismo. A historiadora Jamile da Silva Neto, inclusive, realizou uma belíssima tese de doutorado, defendida há cerca de dois meses, na qual refaz o percurso da construção dessa imagem de Petrópolis. Identifica os lugares e os agentes envolvidos na produção dessa aura passadista monárquica, que envolve a cidade e (ainda) encanta seus visitantes. Destaca, assim, dois momentos cruciais de criação e reatualização dessas memórias: décadas de 1930 e 1940 com a Comissão do Centenário de Petrópolis e as disputas em torno do marco fundacional da cidade e a fundação do Instituto Histórico de Petrópolis (IHP), do Museu Histórico de Petrópolis e do Museu Imperial; e finais da década de 1970 e início dos anos 1980, quando o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) atua no reconhecimento da cidade como patrimônio histórico.

Na Petrópolis que apresentamos aqui, não são os vestígios da família imperial, tampouco o passado monárquico o que se apresenta como grande atrativo da cidade. Estamos falando da Petrópolis que foi documentada em 38 fotografias publicadas no Álbum do Estado do Rio de Janeiro na Exposição Nacional de 1908. Publicação oficial do governo estadual, à época presidido por Alfredo Augusto Guimaraes Backer, organizada por Júlio Pompeu de Castro Albuquerque, conta com 176 páginas e 125 fotografias. Seu objetivo era fazer propaganda do Estado do Rio de Janeiro como lugar próspero, promissor e com grandes potenciais para receber investimento internacional e imigrantes para trabalhar na lavoura e na indústria. Um propósito, aliás, afinado com os intentos da Exposição Nacional comemorativa do centenário da Abertura dos Portos às Nações Amigas.

Para celebrar os cem anos do ato decretado por d. João, assim que chegou ao Brasil, com a Corte Portuguesa, em 1808, o Presidente Afonso Pena promoveu a Exposição comemorativa instalando-a no recém reformado bairro da Urca da então capital federal, Rio de Janeiro. Identificava-se a abertura comercial da então colônia como um marco para dar sentido e exaltar o progresso e a civilidade da República, bem aos moldes do que Margarida de Souza Neves denominou como “vitrines do progresso”. Essa “vitrine” deveria orgulhar os brasileiros e atrair os interesse dos extrangeiros. No caso do “Álbum do Rio de Janeiro”, a primeira parte foi escrita em português e francês para atingir o público internacional.

Aspectos históricos do estado ocupam pouquíssimo lugar no Álbum, seis parágrafos iniciais que abordam superficialmente os períodos colonial, imperial e republicano. As demais páginas trazem uma descrição dos aspectos físicos, demográficos e econômicos do estado, enfatizando a qualidade do solo, o clima, a riqueza de recursos naturais, a infraestrutura moderna, bem como as atividades produtivas então desenvolvidas.

Para sublinhar o caráter moderno e civilizado do estado do Rio de Janeiro, a educação “absolutamente gratuita e leiga”, de uma “moderna higiene pedagógica”, assume papel de grande importância. É tanto que na conclusão sobre a administração pública o autor exprime: “Deixamos ao leitor, depois disto, tirar, sobre a civilização do Estado, a illação que mais lhe convier, quando afirmarmos que o número de PRAÇAS do corpo policial desse território é de 450, menor que o número de seus INSTITUTOS de ensino”. Afinal, investir na instrução mais do que na punição era algo a ser considerado louvável (era?).

Após uma descrição geral do estado, a obra se volta para a especificidade dos municípios. Nessa parte, que não tem a versão francesa, Petrópolis é apresentada por seus distritos, praças, população e atividades econômicas:

Nenhuma palavra sobre a relação da cidade com o passado imperial. Silêncio também que aparece nas fotografias da cidade escolhidas para ilustrar o Álbum, divididas entre edificações e paisagens. No grupo das edificações, tanto se retrata a fachada dos prédios quanto o interior, destacando-se prédios públicos, colégios e fábricas. As paisagens enfatizam a modernidade de ruas e praças, sendo duas focadas no aspecto natural.

A Cia Cometa conta com duas fotografias no “Álbum”, que contém doze imagens das seis indústrias – de “não menos que dezesseis” – destacadas no texto sobre Petrópolis. Além da Cia Cometa, são citadas: Cia Petropolitana, São Pedro de Alcântara, Santa Izabel, Petrópolis Industrial e Bohemia. Com exceção da Bohemia, uma cervejaria, todas do ramo têxtil.

A tomada do fotógrafo, cujo nome não é revelado no álbum, apresenta a fachada da fábrica, com suas chaminés e uma rua com trilhos do trem que lhe dá acesso, emolduradas por uma verde montanha atrás e por vegetação no entorno. O contraste entre a área ocupada pela indústria e a natureza que a envolve parece apontar para as possibilidades de desenvolvimento da região de vastos recursos naturais.

Essa possibilidade já se apresenta como uma realização na fotografia seguinte, na qual, sob outro ângulo, a Cia Cometa aparece com uma edificação a sua frente e outra a seu lado, tendo a área verde do plano inferior da imagem já bastante devastada. É uma imagem que aponta para um processo acelerado de urbanização em função da produção industrial, na qual a paisagem natural vai sendo substituída por construções, indicando o nível de cultura e civilização da região.

Vale nota para as legendas das fotografias, com informações sobre o quantitativo da produção, número de operários e equipamentos, além do nome dos diretores e do gerente.

Era a República querendo se inserir no concerto das nações, mostrando-se uma boa aluna na prática de realizar exposições, como países europeus e os Estados Unidos tanto fizeram ao longo da segunda metade do século XIX. Assim, divulgava seu desenvolvimento capitalista, seus valores de civilidade e seus produtos para o consumo, silenciando o passado com o qual rompeu em 1889.

O projeto de extensão “Olhos de ver”, coordenado pela professora Carina Martins Costa, da UERJ, e do qual faço parte, é dedicado à elaboração de roteiros pedagógicos temáticos que procuram mostrar uma Petrópolis pouco conhecida. É o caso do roteiro “Caminhos da ferrovia em Petrópolis”, elaborado sob a coordenação da professora Patrícia Drach, que passa pela antiga Fábrica de tecidos e algodão São Pedro de Alcântara, que está passando por um processo de revitalização para se ternar um centro cultural. São trabalhos como esse que nos ajudam a conhecer outras facetas e histórias da cidade de Petrópolis, com pesquisas e produção de materiais que divulgam um rico e diversificado patrimônio petropolitano.

P.S. Agradecimento especial a estudante Nathielle Lyra que, como bolsista voluntária do projeto “Olhos de ver”, realizou pesquisa fundamental para a escrita dessas notas.

A Daniella dos Santos e a Maria Isabel Lenzi, do Arquivo Histórico do MHN também agradeço pela acolhida a ajuda que possibilitou a realização da pesquisa. Muito obrigada!

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Para saber mais:

LEVY, Ruth. Entre Palácios e Pavilhões: a arquitetura efêmera da exposição Nacional de 1908. Rio de Janeiro: EBA/UFRJ, 2008.

LENZI, Maria Isabel Ribeiro. Três álbuns fotográficos da Exposição Nacional de 1908 no Museu Histórico Nacional: Boscagli, Malta e Musso. Brasiliana Fotográfica, 25/08/2023.

NETO, Jamile da Silva. HISTORIOGRAFIA, PATRIMÔNIO E MUSEU: silenciando o passado na construção da memória imperial da cidade de Petrópolis. Tese (doutorado em história). Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2023. [em breve informaremos o link de acesso]

 

Comentário

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