Museu do Ipiranga em festa no 7 de setembro
Por Aline Montenegro Magalhães
O dia amanheceu frio e cinzento, mas logo o sol apareceu para aquecer e iluminar o 7 de setembro na cidade de São Paulo. A Independência do Brasil estava completando 201 anos e nós comemorávamos o primeiro ano da reabertura do Museu do Ipiranga, um dos maiores museus de história do Brasil. Eu estava lá trabalhando, no primeiro feriado da emancipação do país em que as portas estavam abertas para o público, depois que o edifício-monumento ficou fechado por 9 anos, os últimos dos quais passando por uma profunda reforma arquitetônica e expográfica.
O dia foi marcado por uma programação rica em atividades, para todos os gostos e todas as idades. Era o “Museu do Ipiranga em Festa!”, uma realização do museu com o SESC Ipiranga, em uma parceria que já conta seis anos e que, em 2023, movimentou cerca de 115 mil pessoas entre os jardins e o palácio histórico.
A abertura dos trabalhos se deu às 10 horas com a apresentação do “CoralUSP Sestina”, na escadaria da esplanada. Pessoas que passeavam com seus cães ou que faziam atividade física no jardim juntaram-se aos demais presentes para ouvir Cartola, Dorival Caymmi e outros compositores, nas vozes regidas por Marcia Hentschel. Ainda ao som do Coral vi pessoas posando para fotos ao lado de personagens históricos como D. Pedro e um soldado de sua Guarda de Honra. O clima era de alegria com as pessoas cantarolando, batendo palmas ou movimentando o corpo, mesmo que de forma tímida, ao som das músicas executadas.
As visitas às exposições “Para conhecer o Museu”, Passados Imaginados” e “Uma história do Brasil” já estavam acontecendo desde às 9 horas da manhã e a fila era imensa. Foram cerca de 5 mil e setecentas pessoas que entraram no museu ao longo de todo o dia, depois de esperar cerca de 2h30. Olhar o tamanho da fila e todo o movimento na rua em função dela – comércio ambulante, apresentação musical, etc. – me emocionou profundamente. Cheguei a perguntar para duas pessoas se já tinham visitado o museu antes e porque estavam ali. As duas disseram que era a primeira vez e que a data foi a motivadora daquela presença inédita.
Conversando com a professora Solange Ferraz de Lima, que compartilhava comigo a emoção de ver a multidão no museu, ela lembrou dos estudos da professora Cecília Helena de Salles Oliveira sobre o alto índice de visitação ao museu no “Dia da Independência”. A autora faz um histórico desse ritual cívico que remonta aos primeiros anos de funcionamento do museu e que se manteve firme até o seu fechamento, em 2013. O fato de o edifício monumento ter sido criado para homenagear o feito e de abrigar no seu salão nobre a imagem icônica desse acontecimento, o quadro “Independência ou morte” de Pedro Américo faz com que muitos ainda hoje reivindiquem que o museu seja chamado de “Museu da Independência”.
Que bom que, mesmo depois de fechado por 9 anos, a população volta a se apropriar do Museu do Ipiranga, reinventando a tradição do 7 de setembro. Muitos ainda buscam a imagem “real” do que aconteceu, seus heróis e suas relíquias, a exemplo de alguns que, envolvidos com a bandeira do Império, pareciam estar lá para uma liturgia cívica, bem ao modo das reflexões dos historiadores Fernando Catroga e Douglas Átila Marcelino. Mas o museu tem muito mais a oferecer. A começar por uma explicação riquíssima sobre a história da obra de Pedro Américo, que não só estava apresentada nos recursos multimídias do Salão Nobre, mas também era fornecida em mediações com educadores do museu, em sessões sempre LOTADAS. O museu tem contado outras histórias produzidas por pesquisas acadêmicas, que nos ajudam a compreender os processos de construção de memórias e nos instigam a questionar sobre as disputas em jogo, as escolhas realizadas e como nos relacionamos com esse passado no nosso presente.
E, fortalecendo essa perspectiva crítica junto ao público, as oficinas, vivências e rodas que aconteceram nos terraços do Jardim Francês ofereceram outras possibilidades de conhecimento do museu e seu acervo. O jogo da memória que contrapunha modelos antigos e modernos de um mesmo objeto das coleções do museu, como uma máquina de costura e um bule de café, assim como o “Cara a Cara” dos retratos pintados por Adrien Van Emelen divertiram pais e mães com suas crias, assim como grupos de amigos. Mas também ensinaram sobre a diferença de temporalidades percebida nas marcas e modelos dos artefatos e sobre as formas de ler imagens identificando as pessoas retratadas por suas características e acessórios. Um sucesso!
E o dia transcorreu nesse movimento intenso de trocas, aprendizados, encontros, descontração e entretenimento. Todas as atividades contaram com recursos de acessibilidade, como a presença constante de intérpretes de libras e a disponibilização de áudioguias, democratizando o acesso e ampliando o diálogo com os públicos. O encerramento ficou por conta da Toré, que, conforme consta na placa que estava no local da apresentação, é uma “dança tradicional dos indígenas Pankararu, com significado espiritual: agradecer aos encantados por curas. Conduzido pelos praiás, dançadores com máscaras de croá, homens e mulheres dançam e cantam com o som do maracá”. Até eu caí nessa dança circular e me senti atravessada pelos sons e movimentos que parecem transmutar energias. Adorei!
E conforme o sol se punha, o museu ia esvaziando e nós saíamos de lá com a sensação boa de dever cumprido e com prazer. Foi um dia para celebrar um ano de visitação intensa desde a reabertura do museu. Foram cerca de 650 mil pessoas a percorrer as salas de exposição e a fazer registros desse Novo Museu do Ipiranga. E são em dias como o 7 de setembro que reiteramos a importância social do museu e fortalecemos ainda mais suas relações com a comunidade. Estamos todos de parabéns!!!
Confira a programação completa do que rolou aqui.