Introdução à Museologia Comunitária LGBTQIA+
Por Tony Boita e Jean Baptista
É uma honra pra nós estarmos aqui no Exporvisões compartilhando, em primeira mão, a apresentação do livro “Museologia Comunitária LGBTQIA+ e outros ensaios queer intereseccionais”, de nossa autoria, editorado pelo Museu da Diversidade Sexual, com lançamento previsto para o dia 20 de setembro de 2023, no encerramento do Seminário “Lugares de memória LGBTQIAPN+” no Museu do Ipiranga.
Este livro reúne dez artigos que produzimos ao longo de uma década do projeto Memórias LGBTQIA+. Tratou-se de um projeto que começamos a conceber tão logo nos conhecemos, em 2010, formalizado em 2013, ao mesmo tempo em que nos apaixonamos, casamos, construímos nossa família e forjamos nossas memórias.
Ao longo deste tempo, propomos à Museologia brasileira sua saída do armário (ou da reserva técnica) a partir de práticas, metodologias e desenvolvimento teórico conceitual de uma Museologia construída a partir de epistemologias LGBTQIA+, resultando, sobretudo, em uma Museologia Comunitária LGBTQIA+.
Nossas propostas e corporalidades foram muito bem recebidas em alguns setores do campo museológico, bem como abertamente discriminadas em outros. Certo é que conquistamos espaço para o debate, mas nem por isso deixamos de ser até mesmo ameaçados fisicamente, entre outras formas de tentativa de silenciamento, discriminação, racismo e classismo que sofremos. Não podemos nos iludir que, apesar dos avanços, o campo museológico segue fóbico à diversidade. Muito ainda precisa ser feito.
Nesta trajetória, colecionamos fracassos: apesar de tentar, não conseguimos inserir a disciplina obrigatória no curso de Museologia da Universidade Federal de Goiás, onde lecionamos antes de nos mudarmos para o nordeste do Brasil; em nenhuma das universidades onde trabalhamos conseguimos inserir a questão LGBTQIA+ na Política de Permanência Estudantil de modo amplo, menos ainda nas políticas de combate ao assédio que sofremos; não poucas vezes, colegas professores e professoras, assim como alunos, sequer nos viram como profissionais, ou até mesmo como gente.
Mas, também, nos alegram importantes criações em que estivemos envolvidos: a Rede LGBTQIA+ de Museologia Social, a Revista Memória LGBTQIA+, o Seminário Museus, Memória e Museologia LGBTQIA+, o Grupo de Trabalho no Seminário Brasileiro de Museologia, a formação de diversos profissionais em Museologia e História, os dossiês temáticos em importantes revistas científicas (Cadernos de Sociomuseologia, Museologia e Interdisciplinaridade, Anais do Museu Histórico Nacional), o suporte a instituições museológicas dedicadas ao tema de modo focal ou paralelo e, mais recentemente, tivemos a alegria de ver o Departamento da Universidade de Sergipe, onde lecionamos desde 2022, aprovar por unanimidade a inclusão da disciplina de Museologia LGBTQIA+ em seu novo currículo obrigatório.
Por fim, participamos das amplas frentes em tentar convencer o Instituto Brasileiro de Museus que a questão LGBTQIA+ merece uma Primavera dos Museus, como enfim ocorre neste ano de 2023. Foram muitos documentos, reuniões e pedidos não respondidos, para justamente nesta fase de reconstrução do país termos, enfim, as articulações acolhidas. Agora surge uma nova fase: a geração de uma Política Pública museológica própria e anti LGBTfobia, uma vez que seguimos sendo invisibilizados em museus da autarquia e em suas políticas.
O saldo é que o projeto Memórias LGBTQIA+ se encerra aqui marcado por dores de sonhos não alcançados, bem como festejos por ter rompido fronteiras do campo museológico que ainda não haviam sido provocadas.
O que se deseja, portanto, é que nos próximos dez anos surjam novos projetos, profissionais, questões e frentes que combatam e destruam, de uma vez por todas, o horror da LGBTQIAfobia, em especial quando associada ao racismo, classismo e cisnormatividade. Nós que sobrevivemos amando ao longo destes últimos dez anos de pandemia de ódio, de Covid-19 e de alienação pelas redes sociais, temos a obrigação de seguir em busca da concretização de um país mais justo e verdadeiramente democrático.
Que venham mais e mais primaveras, onde as memórias LGBTQIA+ sejam pilares de um país mais justo!
B. & B.