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Oratórios urbanos: Oh! Deus salve o Oratório!

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Por William Bittar

“Oh Deus, salve o Oratório

Oh Deus, salve o Oratório

Onde Deus fez a morada,

oiá, meu Deus

Onde Deus fez a morada, oiá,

Folclore mineiro”

A presença de oratórios era constante nas vilas coloniais brasileiras. De origem portuguesa, apresentaram-se de diversas formas, fixos ou portáteis, presentes nos interiores das residências rurais ou urbanas, muito deles de apurada confecção, ou nas ruas, como elementos arquitetônicos integrados aos edifícios ou praças.

Os oratórios portáteis, assim como ocorrera na Idade Média, poderiam ser transportados durante as expedições de consolidação do território, entradas, bandeiras. Alguns deles tornaram-se marcos da fundação de arraiais coloniais.

Em Ouro Preto, num casarão localizado no adro da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, o Museu do Oratório, inaugurado em 1998, abriga uma notável coleção de peças que testemunha esse importante elemento religioso devocional. Em Tiradentes, MG, o Museu da Liturgia também apresenta alguns desses oratórios portáteis, além de ex-votos.

Recentemente, a imprensa carioca noticiou a reinauguração de um oratório dedicado à Nossa Senhora do Cabo da Boa Esperança, localizado na Rua do Carmo, nos fundos da Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo, no Centro do Rio, marcada para outubro de 2023. Seria o único elemento religioso remanescente entre os mais de setenta oratórios existentes distribuídos pela cidade quando a Família Real aportou no Rio, em 1808.

Oratório à Nossa Senhora do Cabo da Boa Esperança. Acervo Particular.

Em muitas vilas da colônia esta prática se repetia. Com a ocupação do sertão das Gerais, muitos daqueles arraiais, que depois se tornaram vilas prósperas por conta do ciclo do ouro, incluíram este elemento devocional em casas, edifícios comerciais, distribuídos por seus becos e vielas.

Ouro Preto, por exemplo, diz a tradição que já contou com quatorze oratórios em seu período áureo, restando alguns poucos remanescentes em suas ruas. O Vira-Saia, na subida da ladeira para a igreja de Santa Efigênia ou aquele à esquina das ruas Bernardo de Vasconcelos e dos Paulistas, no bairro Antônio Dias, dedicado à Nossa Senhora do Bonsucesso, são testemunhos da religiosidade associada às lendas e superstições.

Oratório do Vira-saia, Ouro Preto, MG. Acervo Particular.

Sua implantação nas fachadas das casas era autorizada pela igreja para acalmar a população em relação aos fantasmas que circulavam, encapuzados, pelos becos. Provavelmente ladrões ou conspiradores se protegiam no escuro da noite, como o “Embuçado”, descrito por Cecília Meireles em seu “Romanceiro da Inconfidência”, anunciando o momento certo para o movimento libertário.

Além dos oratórios era comum a presença dos passos da paixão, pequenas capelas que eram abertas durante as celebrações da Semana Santa. Todos abrigavam imagens ou pinturas, proteção para os transeuntes contra as assombrações noturnas, presentes nas lendas urbanas. Antes da instalação da iluminação pública, eram as lamparinas e cadeeiros que traziam alguma luz para becos e vielas, contribuindo para afastar aparições ou espíritos malfazejos.

Oratório urbano no Rio de Janeiro, demolido no início do século XX. Reprodução Augusto Malta.

No Rio de Janeiro, alguns oratórios eram objeto maior de devoção ou lendas, como aquele existente no Arco do Teles, dedicado a Nossa Senhora dos Prazeres. A peça foi demolida e a imagem de Nossa Senhora transferida para a igreja de Santo Antônio do Pobres, à rua dos Inválidos. O arco junto ao oratório abrigaria Barbara dos Prazeres, a quem atribuíam atividades de prostituição e bruxaria, além de outros crimes como o assassinato de crianças para beber seu sangue e permanecer jovem. Após seu misterioso desaparecimento, surgiu a lenda da assombração no local, onde seu ouviam risadas ao cair da noite.

Das peças setecentistas cariocas restou apenas o oratório dedicado a Nossa Senhora do Cabo da Boa Esperança, disposto numa via urbana, provavelmente originário do Morro do Castelo. Seu contemporâneo está no alto do morro de Santo Antônio, junto ao acesso à igreja conventual, dedicado ao orago.

Oratório a Santo Antônio, Largo da Carioca. Acervo Particular.

O século XIX não contém registros de novos oratórios. Certamente, a construção de muitas capelas em novos bairros, algumas delas elevadas a paróquias, substituiu aquela prática devocional a céu aberto.

No século XX, com o movimento neocolonial na arquitetura, provavelmente os antigos oratórios, muitos deles agregados a residências ou estabelecimentos comerciais, foram substituídos pela adoção dos painéis de azulejos nas fachadas.

A zona norte do Rio contém notável coleção dessas peças presentes nos frontispícios curvilíneos ou mesmo em varandas. Tal prática também foi utilizada em bairros da zona sul, onde um nicho iluminado surge no lugar da azulejaria, como na rua Rumânia, em Laranjeiras, projeto do arquiteto Lucio Costa, no início da década de 1920.

Rua Rumânia, n. 20, Laranjeiras. Acervo Particular.

Ao longo do século XX, percorrendo ruas e praças das cidades, é possível registrar aquele pequeno elemento religioso, representando a fé popular, nem sempre com informações suficientes sobre sua construção ou retirada.

No alto do Morro da Providência, um dos redutos mais tradicionais da capital fluminense, provavelmente berço da primeira favela carioca, foi construído um oratório dedicado ao Cristo Redentor, inaugurado em primeiro de janeiro de 1901, que ainda resiste ao tempo.

Oratório no Morro da Providência, 1901. Acervo Biblioteca Nacional.

É possível que a cidade ainda guarde dois outros oratórios centenários, mas é necessária uma pesquisa detalhada para obter informações precisas. Um deles está localizado junto à escadaria que leva ao átrio da igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro. Um nicho escavado na amurada abriga uma imagem da Virgem, réplica de original no Algarve, Portugal, que pode ser associada à origem daquele templo pelo ermitão Caminha.

Nicho-oratório a Nossa Senhora da Glória, no outeiro. Acervo Particular.

Por toda a capital fluminense é possível registrar diversos oratórios que surpreendentemente saltam aos nossos olhos em esquinas e praças, materializando a religiosidade da população, por vezes em devoções híbridas entre os cultos católicos e de matrizes africanas.

Um exemplo que assinala tal sincretismo é o oratório dedicado à Escrava Anastácia, localizado na Praça Vinte e Quatro de Outubro, em Inhaúma. Sob uma modesta cobertura está o busto de Anastácia, uma imagem de São Jorge e outra, de Nossa Senhora da Aparecida, onde muitos devotos acendem suas velas, às segundas-feiras, dedicadas às Almas. Uma placa registra o nome do idealizador, em agradecimento a uma graça alcançada e a data de sua reinauguração, em 31 de maio de 2017.

Oratório à Escrava Anastácia, São Jorge e Nossa Senhora da Aparecida, Inhaúma. Acervo Particular / Daniel Paiva.

Na praça Presidente Aguirre, no bairro de Fátima, destaca-se um nicho paroquial dedicado a Nossa Senhora que batiza aquele recanto do Centro do Rio, quase sempre ornado de flores, inaugurado em 13 de maio de 1951.

Nicho Paroquial de Nossa Senhora de Fátima, Bairro de Fátima, Rio. Bem tombado municipal. Acervo particular.

Há alguns anos, pressões de outras religiões tentaram demolir um oratório dedicado a Nossa Senhora de Aparecida, à praça Milton Campos, no Leblon. Prevaleceu o bom senso e o sentimento de liberdade de culto, presente em nossa Constituição e o pequeno altar foi preservado.

Muitos existem sem documentação, aguardando registro, em bairros como Bento Ribeiro, Bonsucesso, Cachambi, Copacabana, Madureira, Penha, Ramos, Rocha Miranda e tantos outros marcos culturais de uma cidade, assim como qualquer outra representação de fé. Certamente os leitores muito poderão colaborar com seus depoimentos, resgatando da memória estes monumentos à religiosidade, presentes nos grandes centros e nas mais remotas cidades desses tantos brasis.

Na Praça Miranda Ribeiro, em Turiaçu, Rio, o oratório dedicado a São Jorge está localizado quase em frente à igreja Batista. Uma referência para todo devoto que deve conviver de forma ordeira e democrática com quaisquer símbolos religiosos, aceitando o outro, respeitando o próximo, praticando princípios básicos da busca pela harmonia, sem a estupidez e intolerância que afloraram nos últimos anos, endureceram corações comprometendo a essência da fé, pois qualquer fé costuma acompanhar, pelo sim, pelo não, como canta Gilberto Gil.

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