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Alguns poucos monumentos dedicados às mulheres em espaços públicos na cidade do Rio de Janeiro

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por William Bittar

Em homenagem às constantes lutas femininas por direitos negados pela sociedade machista e patriarcal, a Organização das Nações Unidades declarou 1975 como o Ano Internacional da Mulher, destacando o dia 08 de março como seu marco representativo. Era a consagração de uma ideia presente no universo das reivindicações por melhores condições de trabalho, de vida e pelo direito ao voto, desde o final do século XIX.

A Rússia czarista assistiu, no início de 1917, a manifestações de trabalhadoras por melhores condições e contra a entrada do país na Primeira Guerra, reprimidas com violência pelo poder governante. Eram os passos iniciais para a Revolução de 1917 e o Movimento Internacional Socialista instituiu o dia 8 de março de 1917 como Dia da Mulher.

O Brasil que emergia do século XIX com a República proclamada mantinha padrões culturalmente aceitos em relação ao papel feminino subalterno, mãe-esposa-prendas domésticas, como um comportamento adequado à mulher, que deveria aguardar um bom partido para obter ou preservar condições financeiras satisfatórias, mantidas pelos respectivos maridos.

O próprio estado laico definia a perpetuidade do casamento determinada pela igreja católica, pois o código civil de 1916 impedia a dissolução do laço matrimonial, que levaria muito tempo para tornar legal o divórcio.

Algumas mulheres brasileiras se destacaram no início das lutas por conquistas sociais femininas, como o direito ao voto e o exercício de uma profissão. Leoninda Daltro e Myrthes Campos, com a colaboração de Bertha Lutz foram pioneiras nessas batalhas, vencidas parcialmente em 1932, quando o código eleitoral brasileiro autorizava que mulheres casadas, com autorização do esposo ou viúvas com renda própria podiam votar. Um memorial dedicado a esse pioneirismo torna-se mais do que necessário como instrumento de resistência feminina contemporânea.

A bióloga Bertha Lutz, pesquisadora do Museu Nacional e filha do médico Adolfo Lutz, que assistiu às lutas feministas na Europa durante seu período de estudos, criou e participou de movimentos como a Liga para Emancipação Intelectual da Mulher e representou o Brasil na Liga das Mulheres Eleitoras.

Em 1932, tornava-se nacional o direito já exercido por Celina Vianna, em 1927, no estado do Rio Grande do Norte que, dois anos depois, assistiria à primeira mulher eleita para um cargo político no Brasil, Alzira Soriano.

Apesar da importância dessas lutas e seus resultados, o século XXI ainda assiste, entre tantas outras, a discriminação em relação à representatividade feminina no cotidiano dos grandes centros urbanos, como pode ser observado em relação aos seus monumentos.

Na cidade do Rio de Janeiro, capital da colônia, sede da corte, Distrito Federal, capital fluminense, a primeira escultura pública erigida no Brasil em homenagem a uma personalidade foi dedicada ao Imperador Pedro I, inaugurada na Praça da Constituição, depois Tiradentes, em 1862, obra do francês Louis Rochet.

Ao longo dos dois séculos seguintes, muitos outros homens foram objetos deste tributo escultórico, enquanto pouquíssimas figuras femininas foram agraciadas com tal honraria, como a abolicionista e escritora Julia Lopes de Almeida, homenageada por iniciativa particular de sua filha em 1935, cuja escultura desapareceu do Passeio Público em 2004.

A capital fluminense conta com cerca de 220 monumentos dedicados a personalidades históricas ou representantes da cultura da cidade. No entanto, menos de vinte esculturas são dedicadas às mulheres, algumas apresentadas em ordem alfabética, com data provável de inauguração e localização, sugerindo um roteiro artístico-cultural-feminino pelas ruas do Rio, reencontrando algumas de suas representativas personalidades. A maioria absoluta das obras se apresenta com repertório figurativo, com exceção para a escultura em homenagem à estilista Zuzu Angel, uma alegoria com uma figura feminina esbelta e estilizada.

Ana Carolina da Costa Lino, monumento dedicado à estudante assassinada aos 18 anos, na saída do túnel Santa Bárbara, em 1998. A escultura, de Mazeredo, foi inaugurada em 2001, no Espaço pela Paz, próximo ao local do crime;

Ana Néri, primeira profissional a se dedicar à enfermagem no país, voluntária na Guerra do Paraguai, entrou para o Livro dos Heróis da Pátria em 2009. A Praça Cruz Vermelha, no Centro, recebeu um monumento em sua homenagem, em 1956;

Carmem Gomes, soprano carioca, por iniciativa da Sociedade de Artistas Líricos Brasileiros, recebeu um busto (também conhecido como herma) de bronze na Praça Paris, em 1958;

Carmen Miranda: busto em bronze sobre coluna de granito, obra de Mateus Fernandes, inaugurado em setembro de 1960, no Largo da Carioca e posteriormente transferido para a rua Carmen Miranda, na Ilha do Governador;

Chiquinha Gonzaga, compositora, instrumentista e maestrina carioca, foi homenageada com um busto de bronze, do escultor Honório Peçanha, colocado no Passeio Público por iniciativa da Sociedade Cultural da Memória de Chiquinha Gonzaga, em dezembro de 1942;

  • Clarice Lispector, escritora ucraniana, “a grande bruxa da literatura brasileira”, radicada no Rio de Janeiro, recebeu um monumento como homenagem do povo carioca, criada por Edgar Duvivier, em 2016, colocada na praia do leme, quase trinta anos após sua morte;
Clarice Lispector, na amargura do Leme. Acervo particular.
  • Clarisse Índio do Brasil, Dona Clarisse, como era conhecida, tornou-se famosa por sua caridade e empatia pelos desafortunados, com apoio de seu marido Artur Indio do Brasil, com quem casou-se contra a vontade dos pais, integrantes de classe mais abastada. Foi homenageada com um busto de bronze, do artista H. Cunha Melo, em 1923, inicialmente implantado na Praia de Botafogo, depois transferido para o Largo dos Leões, no Humaitá, pouco tempo depois de seu assassinato no Centro do Rio, em 1919, após receber um tiro à queima-roupa sem motivos conhecidos;
  • Isabel (Princesa), a filha do Imperador Pedro II, responsável pela assinatura da Lei Áurea, recebeu, em 2003, uma escultura de bronze, criada por Edgar Duvivier filho, implantada de frente para o mar de Copacabana na Avenida Princesa Isabel;
  • Leopoldina (Primeira Imperatriz), Maria Leopoldina Josefa Carolina esposa de Dom Pedro I, primeiro imperador do Brasil. Nascida na Áustria, casou-se por procuração e chegou por aqui em 1817. Responsável direta pela Independência, foi homenageada com um monumento criado pelo escultou Edgar Duvivier, inaugurado em 1996, onde a Imperatriz se encontra acompanhada pelos filhos Pedro II e Maria da Glória, colocada nos jardins da Quinta da Boa Vista, em frente ao Museu Nacional;
  • Maria Augusta foi uma comerciante portuguesa responsável por um dos primeiros quiosques instalados na praia da Barra da Tijuca, ainda deserta, na década de 1960. O busto da Tia Augusta, como era conhecida, foi implantado na orla, em frente ao quebra-mar, em 2000, homenagem de seus familiares e um vereador;
  • Marielle Franco, vereadora do Psol, assassinada em 2018, num dos mais rumorosos casos policiais da cidade, com muitos suspeitos, ainda sem solução. Alguns políticos realizaram atos desrespeitosos em relação à memória das vítimas do atentado, sem nenhum advertência ética por seus pares. Marielle recebeu uma homenagem com uma escultura em tamanho natural, criada por Edgar Duvivier, inaugurada em 2022, por iniciativa do Instituto Marielle Franco, na Praça Mário Lago, onde a vereadora conversava com eleitores e simpatizantes;
Marielle Franco. Acervo Particular.
  • Mercedes Baptista, primeira bailarina negra a integrar o corpo de baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, divulgadora da dança Afro no Brasil, recebeu uma homenagem através de escultura de bronze, do artista Mário Pitanguy, no Largo de São Francisco da Prainha, nos limites da Pequena África, em 2016, dois anos após seu falecimento;
Mercedes Batista. Acervo da prefeitura do Rio de Janeiro
  • Sarah Kubitschek, monumento criado pela artista plástica Mazeredo foi inaugurado em 1999, na praça de mesmo nome, em Copacabana, para homenagear a benfeitora e esposa do Presidente Juscelino Kubitschek, iniciativa da Associação Cultural Sarah Kubitschek;
  • Teresa Cristina (Segunda Imperatriz), confeccionado pelo artista italiano Gianguido Bonfati, um busto da imperatriz, esposa de D. Pedro II, foi instalado na Praça Itália, no Centro do Rio, junto ao consulado italiano, em 2022, substituindo o anterior, de bronze, furtado em janeiro de 2019;

  • Vera Janacópulos foi uma soprano brasileira, nascida em Petrópolis. Em 1940, fazia apresentações pela Europa, América e Oceania, posteriormente dedicou-se ao magistério de canto e programas de rádio. Em 1958, sua irmã, a escultora Adriana Janácopulos, homenageou-a com um busto colocado na Praça Paris, no Centro do Rio;
  • Zuzu Angel. estilista mineira, que valorizava a cultura brasileira em suas roupas e adereços, ganhando destaque internacional. Durante a ditadura militar, seu filho Stuart Angel foi assassinado e o corpo desaparecido pela repressão, gerando uma forte reação de Zuzu, incansável na denúncia do aparelho de tortura que assolava o país. Ela recebeu uma homenagem através da escultura de uma figura feminina estilizada, em resimármore, com 5m de altura, criada pelo Atelier Mazeredo, em 1998, instalada na saída do túnel que recebeu seu nome, em São Conrado, onde morreu em um suspeito acidente de carro, nunca devidamente esclarecido, em 1976;
Monumento a Zuzu Angel. Acervo particular.

Além das personalidades femininas representadas nestes monumentos, alguns poucos também homenageiam a mulher, de uma forma mais abrangente. Entre eles, a Maternidade, escultura de Celso Antônio, originalmente idealizada para o icônico edifício do Ministério da Educação. Por iniciativa do arquiteto Lucio Costa, a obra foi retirada de seu local original e levada para um depósito. Em 1968 foi doada ao Estado da Guanabara, instalada nos jardins da praia de Botafogo, em frente à Igreja da Imaculada Conceição, provavelmente onde ficava o busto de Clarisse Índio do Brasil, exposto às intempéries, em cenário diverso daquele para o qual foi idealizada.

A Mãe ou Maternidade. Reprodução de Celso Antônio.

Distribuídos pela cidade, fontes e chafarizes, algumas produzidas pelas Fundições do Val D’Osne, França, apresentam em destaque a figura feminina, como a fonte ornamental Harmonia, no Largo dos Leões. Em frente à igreja da Candelária encontra-se o chafariz Mulher com ânfora, datado de 1934, de Humberto Cozzo, ambas figurativas, enquanto na Cidade Nova, junto ao Centro Administrativo da Prefeitura, na Rua Afonso Cavalcanti, está o chafariz das Dança das Águas, composto por três figuras femininas de bronze, as ninfas Oceania, Neruda e Náiades, estilizadas de mãos dadas. Este monumento, criação do artista Remo Bernucci, em 1964, foi colocado inicialmente nos jardins da Glória e transferido, em 2002, para frente do CASS.

No mês quando se celebra o Dia Internacional da Mulher, vale destacar a afirmativa de Bertha Lutz entre suas muitas manifestações que “recusar à mulher a igualdade de direitos em virtude do sexo é negar justiça à metade da população”.

Que não sejam apenas iniciativas no papel, para atrair votos ou seguidores nas redes sociais. Trata-se de uma prática cotidiana em que todos os agentes responsáveis por uma vida cidadã devem estar efetivamente envolvidos, não apenas na criação de novos monumentos, nomes de ruas ou ações cosméticas, mas também em pequenas atitudes de cada dia, reconhecendo a importância do papel feminino no universo da sociedade contemporânea.

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