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Texto-reação sobre a exposição “Leonilson: agora e as oportunidades”

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Por Cauan da Silva Rabello

No dia 05 de setembro fui à exposição “Leonilson: agora e as oportunidades”, essa mostra está disponível no Museu de Arte de São Paulo (MASP) até o dia 17 do mês de novembro deste ano. Tendo a curadoria de Adriano Pedrosa, diretor artístico do MASP, a exposição busca expor o chamado Leonilson tardio, isto é, momento em que as produções artísticas de Leonilson encontram a maturidade e a sua linguagem está mais refinada. Assim, essa escrita visa mostrar como que essas obras me atravessaram, tanto pela forma que certo público lidava com a exposição, quanto pela delicadeza e sentimentos postos nas obras.

A primeira coisa que eu notei, após acessar a exposição, foi a quantidade de pessoas estrangeiras que estavam naquele espaço. Ao me aproximar do texto que abre a mostra, notei que duas pessoas falavam em inglês, com muitos risos… ouvi duas vezes a expressão “queer work”, sempre acompanhada de piadas e certo desinteresse pelos espectadores estrangeiros. Já no meio da exposição do segundo andar, me aproximei de uma obra, a qual tinha uma funcionária do museu ao lado, percebi que algumas pessoas estavam falando inglês com ela e fiquei ali… apenas escutando. Perguntei para a funcionária se muitos estrangeiros frequentavam o MASP, ela disse que sim, mas que essa exposição, em específico, estava com muitos espectadores gringos.

A forte presença de pessoas estrangeiras me fez pensar. Mais ainda porque pouco vi essas pessoas olharem para as obras com atenção, afinal, estavam sempre conversando sobre assuntos paralelos, quando não rindo diante das obras. As produções de Leonilson são marcadas pela presença de sentimentos nos desenhos, pinturas, bordados etc., por que isso seria motivo de desatenção e/ou riso?

Bom, essa pergunta é muito complexa para ser respondida nesse texto, mas foi o primeiro aspecto que me tocou. Ao ver as obras, percebi que temas como viagens, angústias, sentimentos e homoafetividade eram corriqueiramente tratados. A delicadeza de Leonilson ao pintar é sensacional. Uma coisa que me chamou a atenção é que, além de utilizar traços finos, ele também sempre deixa uma parte da tela em branco, como se fossem bordas à pintura…

À esquerda, Obra sem título, de 1989, Coleção Graham Steele e Ulysses de Santi, Estados Unidos. À direita, uma ampliação da primeira imagem. Arquivo pessoal.

Ao ver essa obra, logo pensei na ideia do amor romântico que, embora esteja mais presente no universo heteronormativo, por vezes vejo amigos homossexuais buscando “a tampa da sua panela”. Ao encarar esses rapazes por algum tempo, percebi que eles estão unidos e formando uma coisa só, as mãos, lugar onde utilizamos para tocar o outro, continua tendo a sua função preservada, entretanto, partes muito utilizadas em relações sexuais – os pés e as genitálias – unem-se, dando a ideia de unidade corpórea.

Mas, essa obra passava muitas vezes despercebida pelo público, pois a parte da tela em branco era consideravelmente maior do que a das outras pinturas de Leonilson Penso que as dimensões diminuídas dessa pintura sejam em decorrência da vergonha do artista. Leonilson trata de relações homoafetivas, porém poucas obras trazem o nu e o falo na sua composição… isso pode ser por conta do pudor, como eu disse, mas imagino que também possa ser porque o artista não queria ser taxado como o homossexual que fala somente de suas vivências sexuais.

Isso que talvez seja o mais interessante nas obras de Leonilson: o sentimento. O erotismo ganha pouco espaço diante de tantas palavras sentimentalizas, cores e delicadezas. Isso me fez pensar o quanto que, no mundo LGBTQIA+, espera-se que o homem homossexual fale muito de sexo, mas dificilmente que esse grupo de pessoas tratem de seus sentimentos. É como se Leonilson fosse de oposto ao que se espera das produções artísticas de um homem gay.

Uma mudança ocorre nas obras de Leonilson quando em, 1991, ele recebe o seu diagnóstico de HIV… percebi o quanto que suas obras começam a ficar mais pesadas: fisicamente, por conta dos novos materiais utilizados (como bordados, fios de cobre, cristais etc.) e, também, sentimentalmente, pois os títulos passam a refletir a angústia do artista. Um exemplo disso é a obra Traidor:

Traidor, 1991. Coleção Malzoni Strina, São Paulo.

Além disso, em um de seus bordados, o artista escreve “Léo não pode mudar o mundo porque os deuses não admitem qualquer competição com eles”. Representando o pessimismo de Leonilson diante do mundo, sentimento muito presente em suas obras após o seu diagnóstico de HIV.

De maneira geral, a reação de uma parte dos espectadores me fez pensar como que questões da comunidade LGBTQIA+ ainda são tratadas de maneiras jocosas, sendo um processo de deslegitimação de nossas pautas. Por muitos anos se pensou no HIV (aids) como uma “doença gay”, como se fosse restrito à comunidade de homens homossexuais. A história e os avanços científicos nos mostraram que essa infecção não escolhe orientação sexual, nem gênero.

Como disse, nas décadas de 80 e 90, inúmeros estigmas foram construídos em torno da pessoa que vive com HIV. Isso fica evidente nas obras de Leonilson, o que era leve, fica pesado; o que antes era amor, se torna angústia, culpa e pessimismo. Diante disso, é importante notar que já existem diversos tratamentos ao HIV, mesmo que não haja cura, é possível viver indetectável com o seu diagnóstico.

Por fim, essa escrita é também um convite, para que se visite a exposição “Leonilson: agora e as oportunidades”, no Museu de Arte de São Paulo (MASP). A gratuidade do ingresso se dá às terças-feiras e na primeira quinta-feira do mês. Mas gostaria de pedir uma coisa: vá disposto(a) a compreender os sentimentos postos naquelas obras e o que isso representa à comunidade LGBTQIA+. Afinal, o que o outro está sentindo não deveria ser motivo de riso e sim de curiosidade e atenção. Espero que a exposição das obras de Leonilson os(as) toquem com a mesma intensidade que me tocou.

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PARA SABER MAIS:

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