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Experiências no Museu Cabangu – a trajetória em busca de uma narrativa para o tempo presente

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por Izabel Rodrigues

Bolsistas Nicholas Vieira, Larissa Nascimento e Mariana Lomeu na recepção e mediação do museu Casa de Cabangu para os alunos do Curso Técnico em Guia de Turismo do IFSMG

 

Como todo bom brasileiro, muitas vezes, a gente aprende fazendo ou observando… até a página 2.

Em 2014, trabalhando na formação de guias de turismo para o estado de Minas Gerais e vendo, na participação voluntária dos eventos promovidos pelo Museu Cabangu, uma oportunidade de ter ali um laboratório para a formação profissional dos alunos, tive o primeiro contato com os bastidores de um museu, no evento Primavera dos Museus, cujo tema daquele ano era “Museus Criativos”.

Caso você não saiba, o “Museu” Cabangu está localizado na Serra da Mantiqueira, a cerca de 16 km do centro da cidade de Santos Dumont/MG. O espaço conta com a preservação da casa onde nasceu Alberto Santos Dumont e do parque ao seu redor, cujo tombamento foi dado pelo IPHAN (1950), pelo IEPHA/MG (1978) e pelo Patrimônio Histórico e Cultural do município de Santos Dumont (1998). Sob a guarda da Fundação Casa de Cabangu, o espaço possui um acervo de cartas, fotos e objetos que pertenceram ao inventor, formando assim uma significativa coleção visitável exposta nas salas que compõe a casa.

Na ocasião, eu acompanhava a apresentação do espaço pela curadora Mônica Castelo Branco, filha do fundador do Museu, Oswaldo Castelo Branco. O conhecimento e a empolgação da D. Mônica para contar as histórias que atravessavam aqueles objetos, fotos e cartas ali expostos, só poderiam vir de alguém que conviveu tão intimamente com aquele acervo, que, por vezes, muitas peças ocuparam o espaço de seu próprio quarto quando criança, até que fossem levadas para o museu.

Eu e os alunos observávamos as apresentações da D. Mônica e a emoção creditada em cada visita. Participávamos ajudando nas atividades recreativas como gincanas,  competição de aviões de papel e caça ao tesouro pelos arredores da casa, buscando atender a criatividade proposta pelo evento. O resultado desse primeiro ano foi muito satisfatório para os alunos do curso de guia de turismo e para as crianças que participaram do evento.

Nos anos seguintes, a atividade se repetiu até que, com a pandemia de 2019, as dificuldades administrativas e questões políticas e pessoais, a direção da Fundação Casa de Cabangu passou para os membros da OAB de Santos Dumont.

Nesse momento, um vazio enorme tomou conta do espaço:  sem a mediação da visita e sem a hospitalidade na recepção do visitante, o Museu se calou por dois anos. A estrutura administrativa, como na maioria dos museus brasileiros, não contava com funcionários e recursos educacionais, assim como, o plano museológico, feito em 2015, nunca havia saído da gaveta.

Foi neste contexto que percebi que, por meio dos projetos de extensão do Instituto Federal de Educação Ciências de Tecnologia do Sudeste de Minas Gerais, poderia tentar contribuir com a formação de mediadores para as visitas ao museu. Com a anuência da Fundação Casa de Cabangu, começamos o desafio de treinar bolsistas para o acompanhamento de visitas escolares. Acredito que, minha experiência reflete a realidade da maioria dos museus regionais do Brasil… começamos fazendo.

Tá certo que nada como o dia-a-dia, o olho no olho e o desafio de cada pergunta curiosa, inocente ou provocadora de um visitante no museu para a formação de bons mediadores. Mas sabíamos que estávamos trabalhando de forma amadora em uma corrida contra o tempo.

Além disso, se íamos falar sobre Santos Dumont, precisávamos saber o que os outros museus também falavam sobre ele. Considerava importante criar uma narrativa que fosse única daquele espaço e que tivesse relevância para aquela região e o primeiro passo foi agendar visitas técnicas  a museus relacionados a ele. 

No museu Aeroespacial, no Rio de Janeiro, confirmamos a narrativa do Santos Dumont como aviador. Seus outros inventos foram ocultados e havia breves referências aos aspectos da sua vida pessoal. Ao longo da visita, ficou nítida a apropriação de todos os espaços em prol a uma divulgação positiva das ações da aeronáutica brasileira. No relatório de Larissa, uma das alunas que nos acompanhou, o efeito dessa narrativa se confirma:

“Pra mim a visitação no museu aeroespacial teve uma grande importância, porque me abriu os olhos para a área da aeronáutica, fez surgir em mim uma curiosidade de como é pilotar um avião, além disso me mostrou a força das mulheres e outras figuras importantes, o quão é necessário não desistir e seguir seus sonhos ” (Larissa Nascimento, bolsista do projeto).

 

Bolsista Larissa Nascimento na mediação da sala “O Homem” em visita escolar
Fonte: arquivo pessoal

Já no Museu Casa de Santos Dumont, em Petrópolis, mais conhecido como “A Encantada”, não há mediação para as visitas. A comunicação do museu se dá em breves legendas próximas aos objetos e cômodos da casa. Ao longo da visitação, fica claro que a narrativa principal é a construção da casa e a rotina vivida por Santos Dumont ali. Essa visita promoveu algumas reflexões relevantes no grupo. Por um lado, a falta de mediação reduziu a quantidade de conhecimento adquirido no local, por outro a visita foi menos cansativa.

“Foi uma experiência muito interessante na “Encantada”. Gostei dos móveis expostos no local, dos quadros e itens pessoais de Alberto Santos Dumont. Senti falta de um guiamento ou contexto histórico mais detalhado dado pelos guias do local (Maria Antônia dos Santos, bolsista do projeto).

“Para mim a experiência foi muito agradável e didática, ambos os museus foram úteis para ampliar meu conhecimento sobre o inventor. Como profissional que busco ser, o Museu Aeroespacial foi mais vantajoso para mim, pois me trouxe mais conhecimento, porém como visitante, gostei mais de visitar a Encantada, pois foi uma visita mais tranquila. (Mariana Gonçalves, bolsista do projeto) ”.

Para completar essa etapa do treinamento, teria sido muito válido se a equipe tivesse conhecido ainda o museu Dumont, na cidade de Dumont/SP, onde foi a sede da fazenda de café de seu pai e onde Santos Dumont teria passado a maior parte de sua infância. No entanto, dada as limitações de tempo do projeto, essa visita não foi possível.

As visitas técnicas realizadas nos trouxeram a certeza que poderíamos apresentar um outro lado de Santos Dumont no “Museu” Cabangu. A construção de uma narrativa em cima de suas origens parecia óbvio, mas o retorno às suas origens poderia revelar um homem ainda desconhecido pela sociedade brasileira.

Santos Dumont, nasceu na casa de Cabangu, em 20 de julho de 1873, uma residência simples e temporária, apenas para servir de apoio ao seu pai, o engenheiro Henrique Dumont, enquanto comandava a obra da estrada de ferro D. Pedro II. A família permaneceu na casa por cerca de dois anos e depois mudou-se para Valença/RJ, para a fazenda dos avós. Por muitos anos, Santos Dumont não sabia onde havia nascido, sempre fazendo referência à Ribeirão Preto de onde guardava suas memórias de infância. Ao retornar ao Brasil em 1919, toma conhecimento da existência da casa e demonstra interesse em adquiri-la. É então que o governo brasileiro promove uma homenagem ao “herói brasileiro”, presenteando-o com a propriedade, e em poucos anos, Santos Dumont transforma a velha casa em uma fazenda produtora de leite.

Essa narrativa que compõe a história do museu Cabangu, nos mostra uma nova face do aviador e nos permite uma série de abordagens e reflexões em torno do homem e do fazendeiro Alberto.

Ótimo! Parece que temos aqui um diferencial! Uma abordagem voltada para o homem.

Essa narrativa não descarta falar dos inventos que o fizeram famoso, mas apresenta também os acidentes e o que deu errado e como ele lidou com essas dificuldades.

Esta perspectiva tira o foco do resultado e dá ênfase no processo, mostrando que, desde o envolvimento com o automobilismo até a criação do Demoiselle, há uma sequência de aprendizados, desafios, estudos, testes e persistência que exigem uma imersão do sujeito.

Quando focamos em sua biografia, olhamos também para suas fragilidades físicas e emocionais e não podemos deixar de considerar a adequações sociais aos quais ele estava submetido.

Essa era uma narrativa que fazia sentido para a equipe do projeto. No processo de treinamento foram promovidos debates sobre o assunto e buscamos identificar quais os objetos do acervo permitiam apresenta-las. Criamos então um roteiro buscando sintonia com o projeto expográfico e experimentamos…

Bolsistas Larissa Nascimento e Mariana Lomeu na recepção dos alunos em visita escolar
Fonte: arquivo pessoal

A equipe tinha consciência que, se conseguíssemos trazer uma reflexão do homem por trás do avião, faria mais sentido que apresentar a sequência de 22 inventos aéreos. Ou apresentar um processo de amadurecimento do ser, que, no impulso da juventude e na empolgação de suas criações, cogita sim o uso do avião na guerra, revertendo essa ideia no futuro e se vendo incapaz de agir contra os fatos.

Como eu falei no início, até aqui, aprendemos fazendo e observando. Mas ainda paira no ar a ideia de que falta algo. Assim, temos certeza que, na página 2, só as pesquisas e experiências podem fazer com que, as narrativas propostas contribuam com o crescimento pessoal de cada visitante e sejam significativas para o tempo presente.

Alunos do Colégio Municipal Santo Antônio em visita mediada pela bolsista Ellene Florentino
Fonte: arquivo pessoal

Além disso, penso que a educação em museus vai além da mediação e da apresentação de uma narrativa relevante, muitas outras atividades lúdicas e de pesquisa devem ser propostas. É preciso ir além, inventar e reinventar novas estratégias de educação em museus. Afinal, já nos ensina o nosso protagonista: “Inventar é transcender”.

Coordenadora do Projeto Visita Mediada ao Museu Cabangu – IFSMG Doutoranda em História – UFJF

Coordenadora do Projeto Izabel Rodrigues em bate papo sobre o museu Cabangu com as crianças da escola Núcleo de Ensino Arco-Íris
Fonte: arquivo pessoal

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