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“Forever Young”: reflexões sobre etarismo nas artes e nos museus – Um texto pergunta, um texto reflexão

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por Rosemeri Conceição e Ana Lourdes Costa

 

No seu texto “Idade, raça, classe e gênero: mulheres redefinindo a diferença”, Audre Lorde (2019, p. 243) afirma que fomos, enquanto sociedade, condicionadas pela História da Europa Ocidental, a ler o mundo a partir do dualismo que observa as diferenças humanas segundo uma oposição simplista. Ela diz:
(…) dominante/subordinado, bom/mau, no alto/embaixo, superior/inferior. Em uma sociedade onde o bom é definido em termos de lucro e não em termos de necessidade humana, há sempre um grupo de pessoas que, por meio de uma opressão sistematizada, é obrigado a se sentir supérfluo, a ocupar o lugar do inferior desumanizado. Dentro dessa sociedade, esse grupo é composto por negros e pessoas do Terceiro Mundo, trabalhadores, idosos e mulheres.

E a argumentação da pensadora segue, acrescentando que para além da percepção de diferenças quanto à raça, idade e gênero o que tem atuado como separador fundamental é nossa recusa em reconhecer sua atuação como marcadores, causadores de distorções que impedem o reconhecimento de seus efeitos sobre o comportamento e a expectativa humana.
A partir dessas inflexões de Lorde, começamos a nos perguntar: a arte, os museus, a arte nos museus, os museus de arte, repetem ou refletem essa mesma lógica de opressão? Indo além, cabe indagar quantos estudos referentes a esta temática estão disponíveis nas plataformas de pesquisa? Nos referimos não somente à arte exposta nas galerias das instituições museológicas, mas também, sobre quem forma as equipes, profissionais que atuam no dia-a-dia dos museus, a exemplo de curadorias, artistas que estão em exposição.
Nos museus mais hypados, e, talvez, principalmente os que são uma parceria pública privada, os museus com gestão de OS, por exemplo, que nos aparecem, há lugar de destaque para as mulheres depois dos 50 anos?
Ao longo deste texto, nosso intuito é levantar questionamentos sobre a maneira como tem se dado a presença de pessoas com mais de 50 anos no universo das artes, em geral e em específico, como este universo se apresenta quando essa presença se refere a mulheres?

SOBRE CONCEITOS E NÚMEROS
Em busca de algumas respostas, durante os meses de maio a julho de 2024 empreendemos algumas pesquisas que permitissem localizar discussões teóricas e/ou conceituais que se dedicaram ao tema. Na base de dados do Scholar Google utilizando como descritores etarismo-artes-envelhecimento- foram encontrados textos voltados a abordagens que privilegiam tais discussões no ensino de música (COSTA, 2024), no teatro (VIEIRA, 2021) e na dança (LIRA, 2019). Porém, não conseguimos encontrar dados suficientes que apresentassem o mesmo em relação aos nossos questionamentos.
Fundamental assinalar que o conceito de etarismo faz parte de um conjunto de expressões que recentemente tem buscado definir comportamentos até então invisibilizados. Aprendemos com Marguerite Pereira (PEREIRA, 2014) que “etarismo”, “idadismo” e “ageísmo” são sinônimos e se referem a atitudes de segregação que se fundam em processos de estereótipo e discriminação e cujas raízes podem ser localizadas no enaltecimento da juventude ocorrente em nossa sociedade. A historicidade do conceito, por sua vez, nos remete ao trabalho pioneiro de Robert Butler que ainda em fins dos anos 60 defendeu que ele carregava a mesma carga violenta do racismo e do sexismo, adotando assim o termo com o mesmo sufixo destes dois (-ism, no inglês; no português traduz-se para -ismo) e propondo a nomenclatura desse tipo de discriminação como ageism (etarismo).

Capa do livro “Why Survive? Being Old in America” de Robert Butler

Dentre as tantas maneiras constantemente utilizadas para se referir ao Brasil, sempre foi dominante a concepção de uma nação jovem, protagonizada pela presença de pessoas jovens, contudo os estudos sobre o envelhecimento que se valem dos dados trazidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e outros organismos, demonstram cenários diversos.
Na perspectiva dos países mais industrializados, já é visível uma profunda transformação da força de trabalho puxada pela estimativa de crescimento dos atuais 600 milhões de pessoas com mais de 60 anos para cerca de dois bilhões em 2050, cerca de 22% da população global.
A demografia brasileira exibe o mesmo ritmo, pois, segundo dados do DIEESE, de 2010, o índice de envelhecimento de nossa população, que significa a relação entre as pessoas com 60 anos ou mais e aquelas abaixo dos 15 anos, passou de 31,7 em 2001 para 51,8 em 2011.

Gráfico de Índice de Envelhecimento para 3 categorias de idosos, Mundo: 1950 – 2100.
Fonte: population.un.org/wpp2019/

Mesmo com tais vicissitudes, há muito percebidas e que já causaram mudanças nos campos médico e previdenciário, quando olhamos para a sociedade é difícil perceber a implementação de diversidade etária, permanecendo as barreiras de contratação e desenvolvimento de profissionais mais velhos no mercado de trabalho, conforme salientado por Marie Françoise Pereira no importante estudo supracitado. Aspecto que foi tema de matéria publicada pela Agência Brasil em 2023:
Uma pesquisa da empresa Ernst & Young e a agência Maturi de 2022, realizada em quase 200 empresas no Brasil, mostrou o perfil do mercado de trabalho para pessoas com mais de 50 anos. A maioria das companhias pesquisadas têm de 6% a 10% de pessoas com mais de 50 anos em seu quadro funcional. Segundo o estudo, 78% das empresas consideram-se etaristas e têm barreiras para contratação de trabalhadores nessa faixa de idade.

A pesquisa fornece ainda um elemento preocupante, pois os números do IBGE mostram que, em 17 milhões de famílias brasileiras, o sustento econômico fica por conta de pessoas com mais de 60 anos. Uma segregação social que pode vir acompanhada de grande violência financeira.

NOVAS INDAGAÇÕES
E nos museus? Será então que a inquietação dessas duas autoras pode estar garantida nos meios que circulam, em suas vivências profissionais? Acreditamos que para qualquer afirmação precisaremos de um estudo que informe esse quadro no Brasil. Fica aqui a provocação a outras pessoas que se interessem pelo tema.
A pesquisa sobre nosso universo específico retorna um número ainda pequeno de artigos que versam sobre a relação da juventude relacionada ao talento, ou seja, ligada à figura de pessoas artistas.

Giovana Nacca (2023), escreveu para o site multiplataforma Arte que Acontece, com dúvidas e inquietações semelhantes às nossas:
A grande chave do sucesso de um galerista, colecionador ou curador, é fazer a aposta certa, a descoberta do diamante bruto, da promessa do próximo talento revolucionário da cena artística. Do ponto de vista mercadológico, apostar em artistas emergentes pode ser substancialmente vantajoso, afinal o investimento inicial tende a ser consideravelmente menor em comparação ao potencial retorno a longo prazo. Do mesmo modo que, em caso de resultados menos promissores, o prejuízo pode não ser tão alarmante.

É claro que essas apostas não são nada simples, e que o acolhimento de novos nomes para a cena artística é essencial, além do cenário ainda ser bastante excludente. Mas você já reparou como sempre associamos a figura de um jovem à promessa de revolução e fonte de criatividade?

Dessa forma, a lógica ocidentalizada hierarquiza pessoas e suas produções profissionais. Sendo assim, é possível que os museus e o campo das artes repitam esse dualismo excludente: jovem=novidade versus pós 50=retrógrado. Vejam só vocês, que não há problemas com o vocábulo “jovem”, mas há muito que se busca uma alternativa para o vocábulo “velho”, quando estes se referem à idade.
Concluímos nosso texto, nos identificando, com a fala do curador Dré Fuzz, que em entrevista para a revista In Review, intitulada “Young at art” (MEEGAN, 2022), vai nos trazer uma deliciosa afirmação, daquelas parecidas com a máxima “homens grisalhos são charmosos; mulheres grisalhas envelhecem”.

Enfim, uma provocação que, como é o caso aqui, falando do mundo das artes (pensamos calhar bem com o mundo dos museus brasileiros, o mundo da arte nos museus, o mundo dos museus de arte). Dentro dessa lógica perversa, para Fuzz (2022) o envelhecimento para os homens é lido como ascensão à maestria; para as mulheres tomado como inferioridade e obsolescência.

REFERÊNCIAS
BRASIL, Cristina Indio do. Etarismo dificulta inserção de maiores de 50 anos no mercado. Disponível em:https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2023-06/etarismo-dificulta-insercao-de-maiores-de-50-anos-no-mercado. Acesso em: 05 ago. 2021

COSTA, Paulo Henrique Santos. Se não começa cedo não tem futuro: etarismo na educação musical / Paulo Henrique dos Santos Costa. — São Paulo, 2024.

LORDE, Audre. Idade, raça, classe e gênero: mulheres redefinindo a diferença. In: Hollanda, Heloisa Buarque de (org.). Pensamento feminista: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2019.

NACCA, Giovana. Existe prazo de validade para artista? Disponível em:https://www.artequeacontece.com.br/existe-prazo-de-validade-para-artista/. Acesso em: 05 ago. 2021

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