Na morada dos mortos…
E a semana que se iniciou com o dia dos mortos, está prestes a terminar com uma visita ao Cemitério: o do Nosso Senhor do Bonfim, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Na verdade isso se deu há, exatamente, um ano, com a apaixonante aula de campo da professora Marcelina das Graças de Almeida, da Escola de Design da UEMG. Às recordações desse dia, dedicamos o nosso #tbt de hoje. Vamos com a gente?
Por Aline Montenegro Magalhães
Antes de dar início às lembranças do passeio, não poderia deixar de registrar meus agradecimentos, não só à Marcelina, mas também aos professores da UFMG Douglas Attila Marcelino e Ana Paula Sampaio Caldeira, por terem inserido a atividade na programação do 1o Ciclo de Seminários Memória e Cultura Histórica, no qual participei de uma mesa-redonda. Falei sobre o quê? Um doce para quem adivinhar?
Para iniciar a conversa, devo dizer que não gosto de ir a cemitérios. Vou quando não tem jeito, para enterrar parentes, amigos ou parentes de amigos… É sempre muito triste, uma energia de finitude com a qual não lido bem. Não há condolências e orações, abraços e afagos que amenizem essa sensação ruim, que me comprime e angustia.
Há quem frequente o cemitério como forma de manter o contato com o(s) morto(s) amado(s), prestar homenagens levando flores para enfeitar o túmulo, e até o alimento preferido da pessoa que partiu. Aliás, o dia 02 de novembro no México é dedicado a essa prática. Mas não assolada pelo choro e pela tristeza, mas sim, pela festa, pela celebração da memória dos que se foram.
Então, voltando ao dia 05 de novembro do ano passado e à ida ao Cemitério do Bonfim. Desta vez foi diferente. Lembrou um pouco a visita turística feita anos antes ao Cemitério da Recoleta, em Buenos Aires, onde fui especialmente para ver o túmulo de Evita Perón. Embora sem estar na situação de perda e flanando pela cidade, não me senti confortável naquele lugar. Achei mórbido e não me demorei muito tempo por lá.
Licença para mais um “parênteses”, pois há algum tempo os cemitérios têm sido divulgados e frequentados como pontos turísticos das cidades. Valoriza-se, principalmente, a última morada de personalidades históricas e celebridades artísticas. Confesso que não é um passeio que me atrai…
Mas, a visita com a professora Marcelina foi muito mais do que um passeio turístico, foi uma verdadeira aula de história sobre Belo Horizonte, sobre arte tumular, sobre a sociedade mineira e sua maneira de lidar com a morte.
Por incrível que possa parecer, a visita teve leveza, humor, causos e muitas curiosidades. Assuntos como política, economia, arte e cultura, eram abordados ao longo do percurso, tendo túmulos, esculturas e a própria arquitetura cemiterial como objetos de reflexão.
O Cemitério do Bonfim é o mais antigo da capital mineira, foi fundado juntamente com a cidade, em 1897. Quem o projetou foi a Comissão Construtora da Nova Capital que escolheu um lugar distante do centro urbano para enterramento dos mortos, não apenas por questões sanitárias, mas também como uma forma de romper com a tradição católica de sepultamento nas igrejas e no seu entorno. Deveria reproduzir, assim, o desenho geométrico da cidade moderna, em suas 54 quadras divididas entre duas alamedas principais e várias ruas secundárias, mas, sobretudo valores da República recém-proclamada, como a laicidade e a igualdade. Mas não foi isso o que se deu por ali.
Marcelina nos contou como a compra da terra para a última morada tornou-se uma prática burguesa de valorização da propriedade privada e de distinção social. “Mostre-me seu túmulo e eu te direi quem és!” Foi o que pensei enquanto a professora nos mostrava o lugar onde certas personalidades políticas estavam enterradas, como Raul Soares e Júlia Kubitschek. Não se tratava apenas de uma boa localização, próxima às alamedas principais, mas também da arte tumular produzida por artistas renomados e com os materiais mais nobres. Uma tentativa de manutenção dos status da vida para além da morte, em forma de homenagem e demonstração de prestígio.
Na visita também nos foram mostrados túmulos que se transformaram em lugares de peregrinação, estando sempre cheios de flores e carregados de pedidos de graças e agradecimentos. Foi o caso dos túmulos de Irmã Benigna e do padre Eustáquio demonstrando como o cemitério é também lugar de fé e devoção.
Não percorremos o cemitério todo, claro. Seguimos um dos roteiros, observando e interpretando os signos e símbolos da arte funerária, os valores a serem perpetuados por ela como parte da virtude do morto; imagens que o ligam a um ideal político, ideológico ou religioso, assim como ao papel exercido na sociedade. Nada está ali por um acaso. Tudo faz sentido e foi esse sentido que procuramos conhecer ao longo da visita.
Foi a primeira vez que fui a um cemitério e não quis sair correndo. A necrópole continua não sendo meu destino preferido numa cidade. Mas desde então, nunca mais fui a um cemitério apenas para me despedir. Agora permito-me admirar suas belezas, entendendo-o também como lugar de conhecimento e reconhecimento social e histórico, um lugar de memória, um patrimônio. Como escreveu Philip Ariès, como um “resumo simbólico da sociedade”.
Para saber mais:
Artigos:
http://www.uel.br/eventos/eneimagem/2013/anais2013/trabalhos/pdf/Marcelina%20das%20Gracas%20de%20Almeida.pdf
file:///C:/Users/Prema/Documents/Documentos/Exporvis%C3%B5es/Cemit%C3%A9rio%20do%20Bonfim/A%20cidade%20e%20o%20cemit%C3%A9rio.pdf
Reportagem:
http://g1.globo.com/minas-gerais/videos/t/bom-dia-minas/v/visita-guiada-ao-cemiterio-bonfim-em-belo-horizonte-e-aula-de-historia-a-ceu-aberto/5965087/