Abebé de Oxum
O Ababé ou Abebê é um objeto da religiosidade iorubá, que consiste em um emblema das Iás, Oxum e Iemanjá, nas religiões de matriz africana, como o Candomblé e a Umbanda. Orixás das águas, Oxum dos rios e cachoeiras, e Iemanjá do mar, portam o abebé como acessório indispensável na sua indumentária cerimonial. Feitos de latão, o de Oxum costuma ser dourado e o de Iemanjá prateado.
Segundo Raul Lody, sua forma redonda, muitas vezes próxima a de um abano, “remete à anatomia da mulher com seios, nádegas e barriga, com especial referência à cabaça-útero, fortemente ligada à ancestralidade da gênese do mundo e da humanidade.”
O abebé do Museu Nacional aqui apresentado é de Oxum e pode ter tido a função de emitir sons, o que se percebe por seus elementos pendentes. Às vezes esses elementos são moedinhas que simbolizam a riqueza, já que Oxum é a Orixá da riqueza e da maternidade. Daí muitas vezes também se identificar um coração em seu abebé.
Esse abebé integra o conjunto de objetos rituais que pertenceram aos antigos candomblés do Rio de Janeiro, conhecidos como zungus ou casas de dar fortuna, e foram apreendidos pela Polícia da Corte no século XIX, como provas da prática religiosa proibida. Afinal, o catolicismo havia sido decretado religião oficial no Brasil, sendo as práticas das demais consideradas ofensivas à “moral e aos bons costumes”, conforme constava no Código Penal da época:
Crimes policiais
Capítulo 1 – Ofensas da religião, da moral e dos bons costumes
Art. 276. Celebrar em casa ou edifício que tenha alguma forma exterior de templo, ou publicamente em qualquer lugar, o culto de qualquer religião que não seja a do Estado sob pena de serem dispersos pelo Juiz de Paz os que estiverem reunidos para o culto, da demolição da forma exterior, e de multa de dois a doze mil réis que pagará cada um
Em 1880, o então diretor do Museu Nacional, Ladislau Neto, solicitou o envio desses objetos para o Museu Nacional com vistas ao estudo e à preservação, frente ao perigo de desaparecimento dessas religiões. Assim, o abebé em questão além de símbolo de culto à Oxum, também é documento dos tempos de perseguição e da criminalização das religiões de matriz africana. Agora, traz também, em sua composição, as marcas indeléveis da violência do fogo que consumiu o Museu Nacional.
Que as águas de Oxum nos ajudem a lidar com o fogo, que ainda arde no peito de cada um de nós.
Glossário
Iá (Iyá) – significa mãe em iorubá
Orixá – nome dado às entidades sobrenaturais na cultura religiosa iorubana. “São as forças da natureza emanadas por Olorum ou Olofim, que guiam a consciência dos seres vivos e protegem as atividades de manutenção da comunidade.”
Candomblé – origina-se da palavra Kamdonbele que pode significar rezar, invocar, pedir pela intercessão divina. Atualmente é um nome genérico com que se designam as religiões afro-brasileira de culto aos Orixás iorubanos e jêjes.
Umbanda – origina-se da palavra mbanda que pode significar coisa sagrada, súplica, invocar os espíritos. Designa uma religião brasileira de base africana, mas fundamentada no sincretismo com a hinduísmo, o cristianismo e com as religiões ameríndias.
Zungu – Habitação de negros pobres, espécie de cortiço. Denominação dada aos estabelecimentos comerciais do Rio de Janeiro colonial onde se oferecia música, refeições e pousadas, geralmente mantidos por negros minas libertos. Do quicongo nzungu, que significa panela, caldeirão.
Para saber mais…
FERREIRA, Carolina Barcellos. “Isso é coisa da macumba?” Elaboração de um material pedagógico de História sobre as religiosidades afro-brasileiras em museus do Rio de Janeiro. 2016. Dissertação (Mestrado Profissional em Ensino de História) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.
LODY, Raul. O negro no museu brasileiro: construindo identidades. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
LODY, Raul. Dicionário de arte sacra & técnicas afro-brasileiras. Rio de Janeiro: Pallas, 2003.
LOPES, Nei. Enciclopédia brasileira da Diáspora Africana. São Paulo: Selo Negro, 2011.
SOARES, Mariza de Carvalho, AGOSTINHO, Michele de Barcelos e LIMA, Rachel Correa KumbuKumbu do Museu Nacional. disponível online em: http://www.museunacional.ufrj.br/dir/exposicoes/etnologia/LivroKumbukumbu.pdf Último cesso em 06 jun. 2019
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Vida longa ao Exporvisões!
Obrigada Márcia, vindo de você, um enorme incentivo!