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Independência no feminino com Georgina de Albuquerque e d. Leopoldina

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por Aline Montenegro Magalhães

Encerrando a semana de uma comemoração tensa e atípica do 7 de setembro, não poderíamos deixar de falar sobre algo que envolve o dia da Independência do Brasil e suas diversas construções de imagens e memórias. Nossa proposta é chamar a atenção para uma das pinturas expostas no módulo “Construção do Estado Nacional”, do circuito permanente do Museu Histórico Nacional. Trata-se do quadro “Sessão do Conselho de Estado que Decidiu a Independência”, pintado por Georgina de Albuquerque, em 1922.

Na época, podemos dizer que o estilo artístico consagrado no século XIX para imortalizar os considerados grandes feitos e seus heróis, a pintura histórica, estava em decadência, no âmbito da arte acadêmica. Entretanto, para lembrar a proclamação da Independência que, então, completava o seu primeiro centenário, houve um estímulo, por parte do Estado, para a criação de imagens que pudessem contar a história da emancipação do Brasil em relação a Portugal. Essas produções deveriam construir e fortalecer o projeto de identidade nacional, num regime republicano ainda frágil e em crise.

O estímulo à produção de imagens sobre a Independência foi dado em forma de um edital, lançado em 1921. Ali estavam estabelecidos os critérios do que deveria ser apresentado e a informação de que quatro dessas obras seriam adquiridas pelo Estado. O quadro de Georgina de Albuquerque foi pintado segundo as prerrogativas do edital e integrou a Exposição de Arte Retrospectiva e Arte Contemporânea, uma das atrações da Exposição Internacional Comemorativa do Centenário da Independência, realizada no centro da cidade do Rio de Janeiro, então capital federal, em 1922. E foi uma das obras selecionadas pela comissão julgadora do evento, por isso, comprada pelo Estado para as coleções do Museu Nacional de Belas Artes, sendo depois transferida para o MHN juntamente com as outras três pinturas escolhidas: “Primeiros sons do Hino da Independência”, de Augusto Bracet; “Tiradentes, o precursor”, de Pedro Bruno e “Minha terra”, de Hélios Seelinger.

“Sessão do Conselho de Estado” de Georgina de Albuquerque, 1922. 236,00×293,00cm. Acervo e imagem do Museu Histórico Nacional

Georgina de Albuquerque ousou ao trazer o protagonismo feminino da princesa regente Leopoldina para uma cena do processo de emancipação do Brasil. Uma pintura de história, mas no estilo impressionista, mostra d. Leopoldina presidindo a Sessão do Conselho de Estado, sentada na extremidade esquerda da mesa, em posição de escuta atenta a José Bonifácio, em pé na outra extremidade da mesa, expondo os motivos que justificavam a tomada de uma decisão pela separação política de Portugal. Na cena aparecem ainda Martim Francisco de Andrada, sentado ao lado esquerdo da princesa; José Clemente Pereira, de pé, atrás de Martim Francisco, Gonçalves Ledo, em pé, com as mãos apoiadas na mesa, entre Martim Francisco e José Bonifácio; Caetano Pinto de Miranda Montenegro, Manoel Antônio Farinha, Conselheiro Obes (Lucas José Obes) e Luiz Pereira da Nóbrega, que aparecem atrás de José Bonifácio.

Segundo os estudos de Rocha Pombo, consultados pela artista para a feitura da obra, foi nessa ocasião que a independência teria sido decidida com os argumentos de José Bonifácio em carta escrita por d. Leopoldina a d. Pedro. Carta cuja produção é sugerida na imagem com papéis sobre a mesa e nas mãos da princesa regente, acompanhados de um tinteiro, à frente. A leitura da carta, com relatos e conselhos escritos por Leopoldina, foi vista como decisiva no ato de proclamação da emancipação do Brasil, por d. Pedro, em São Paulo, onde encontrava-se na ocasião.

Com essa obra, Georgina de Albuquerque oferece ao público uma pintura histórica sem conflitos e sem heróis militares, chamando a atenção para a centralidade da figura feminina, tão silenciada nos relatos sobre os feitos históricos. Afinal, quem aí não já cristalizou na memória a monumental pintura de Pedro Américo “Independência ou morte”, exposta no Museu Paulista e tão reproduzida em livros didáticos, como “a” cena do “Grito do Ipiranga”?

Vale pensarmos no próprio contexto de produção da obra, quando a própria Georgina de Albuquerque conquistava seu espaço no mundo, tão masculino, das artes acadêmicas. Momento em que mulheres batalhavam pelo direito ao voto e maior participação na política. Nada melhor para inspirar essa luta do que representar uma mulher ocupando um espaço público, um espaço de poder e tomando as rédeas dos destinos da nação, não é mesmo? Afinal, a história não devia ser mestra da vida?

E hoje, às vésperas das comemorações do bicentenário da Independência, não apenas nos perguntamos e refletimos sobre as imagens que representam esse passado, mas também continuamos na luta de milhares de mulheres, nos juntando a tantas outras, por um futuro que efetivamente faça jus aos significados da palavra INDEPENDÊNCIA.

Para saber mais:

Bezerra, Rafael Zamorano. Apresentação. Fidelidade ao fato: A pintura histórica e a prática museal no Museu Histórico Nacional. Anais do Museu Histórico Nacional, v. 39, p. 512-521, 2007. Acessível em: http://www.docpro.com.br/mhn/bibliotecadigital.html

Lopes, Gilda Marina de Almeida. A história que os pintores contaram. Anais do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, v. 23, p. 25-36, 1972. Acessível em: http://www.docpro.com.br/mhn/bibliotecadigital.html

Simioni, Ana Paula Cavalcanti. Entre convenções e discretas ousadias: Georgina de Albuquerque e a pintura histórica feminina no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais [online]. 2002, v. 17, n. 50, pp. 143-159. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/VynXp7ZkxLLm8jSKW6kXyWQ/abstract/?lang=pt#

Vincentis, Paulo de. Pintura histórica no Salão do Centenário da Independência do Brasil. 2015. Dissertação (Mestrado em Estudos Culturais) – Escola de Artes, Ciências e Humanidades, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.

Podcast #Av07 – Análise da pintura Sessão do Conselho de Estado – Georgina de Albuquerque. Nos Bastidores, por Vívian Greco. https://open.spotify.com/episode/6iCfImw84tm6iNYupxDSZy?si=FSZO337sT1OzQSf487XH2A&dl_branch=1

Comentário

  1. Comentário

    Marta Cristina Soares Dile Robalinho says:

    Excelente escolha do tema e texto. É claro e direto. E ainda nos provoca muitas reflexões pra levarmos pra sala de aula. Muito obrigada. Vou usar esse material no 8° ano e no 2° do Ensino Médio. Parabéns!!!

    1. Obrigada por seu retorno tão positivo e estimulantes, Marta.
      Ficamos muito felizes em saber que estamos juntas com você nas suas salas de aula.
      Beijosssss

  2. REFLEXÕES SOBRE A ARTE E O FEMININO NO QUADRO DE GEORGINA DE ALBUQUERQUE SOBRE A SESSÃO DO CONSELHO DE ESTADO – Revista Contemporartes
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