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Casa Museo Pablo Escobar: o conflito entre interesses

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por Antonio Felipe da Silva Junior¹

O presente artigo é direcionado à Ética e Gestão da Casa Museo Pablo Escobar (CMPE). Uma instituição privada, na cidade de Medelim, na Colômbia, mantida pela família do narcotraficante Pablo Escobar, morto pela Polícia Nacional em 1993.

Um museu que vive em meio ao repúdio institucional do governo colombiano à sua existência como lugar de fala e à paixão de centenas de turistas que para ali peregrinam anualmente, para testemunharem as relíquias deixadas por uma figura polêmica.

Pablo Escobar foi um dos maiores narcotraficantes da história. Pesquisadores calculam, de maneira ainda imprecisa, o número de cinco mil pessoas como um total provável de mortes diretamente vinculadas às ordens vindas dele. Esse número inclui parlamentares colombianos, policiais, traficantes rivais, prostitutas (consideradas informantes da polícia), além de amantes e colaboradores que quebraram o código de honra do Cartel de Medelim. Foi responsável, entre outros, pelos assassinatos do ministro da Justiça, Rodrigo Lara e do candidato à presidência da República, Luís Carlos Galán. Este último não aceitava o apoio financeiro e possível interferência de Escobar em sua candidatura.

Em 2 de dezembro de 1993 o mais procurado traficante de cocaína da Colômbia foi morto. Seu corpo ficou caído sobre o telhado de uma residência em Medelim. Poucos dias após a morte, o prefeito da cidade tentou promover uma operação de amnésia nacional com declarações tais quais “não iremos transformá-lo num mito, vamos enterrar Pablo Escobar”. Muitas autoridades do país, posteriormente, fizeram ecoar essa mesma afirmação. Novas manifestações pediam à sociedade para apagar toda e qualquer forma de memória dos anos de violência promovidos pelo traficante, caso contrário, o país jamais conseguiria curar-se.

Todavia, a cena de Pablo Escobar caído sobre as telhas quentes e rodeado por agentes da polícia tornou-se uma ferida exposta e um símbolo de dor muito mais complexo, que requereria bem mais do que apagamento da memória como solução. O pintor colombiano Fernando Botero, um dos maiores artistas latino-americanos, tornou aquela cena ainda mais simbólica ao eternizá-la, em dois momentos, em 1999 e outro em 2006.

Sobre as duas obras, Botero demonstra um desejo de relembrar um período de violência na Colômbia, intimamente ligado à figura de Escobar. Há ainda uma narrativa, na qual personagens como Pablo não podem ser negadas ou apagadas da história nacional, porém são figuras com as quais podemos lidar por meio da arte.

À BBC Brasil, perguntado sobre a figura gigante representando Pablo, nas duas obras de Botero, o filho do pintor, Juan Carlos Botero, que é autor do livro “A arte de Fernando Botero”, de 2011, disse que o tamanho de Escobar nas pinturas reflete o tamanho da tragédia que se abateu sobre a Colômbia.

“A figura é monumental, comparada ao resto do ambiente, para mostrar a dimensão que [o narcotráfico] adquiriu na Colômbia”, disse ele. (BBC Brasil).

Sempre existiram três linhas de raciocínio na percepção da violência na Colômbia causada por Escobar. Em vida, personificava com maestria o homem fora da lei e símbolo do narcotráfico. Ressalto que o tráfico de cocaína e a violência no país já existiam antes do aparecimento de Escobar. Mais recentemente, parte da sociedade tentou separar, simplistamente, os traficantes do passado, da história do país, como se tais acontecimentos não tivessem tido a importância que tiveram. O terceiro viés é aquele que engloba a maioria da população mais pobre, que vê em Pablo um moderno Robin Hood. É notório que ele foi capaz de gastar enormes quantias de dinheiro com os mais pobres, chegando a construir um bairro inteiro em Medelim.

Várias questões intrínsecas à América Latina transformaram a região em celeiro fértil para o plantio, a transformação, armazenamento, o tráfico local e envio de remessas de drogas para outros países, entre as quais a corrupção da sociedade como um todo, com seus agentes públicos; políticos corruptos e coniventes; Estado ausente; leis fracas e subseqüente pouca punição aos infratores.

Que sociedades seriam essas capazes de criar alguém como Pablo Escobar?

É nesse ambiente que tomamos o exemplo da CMPE. A professora Helouise Costa, em pesquisas e estudos sobre museus e exposições, reitera a linha de atuação atualmente exercida pelo campo, que implica uma leitura mais ampla, devendo tais equipamentos ser compreendidos e lidos conjuntamente como expressão de um povo e não como um fenômeno isolado e alheio a ele:

“Não se trata, portanto, de abordar as obras como entidades autônomas, descontextualizadas e muito menos considerá-las portadoras de sentidos estabelecidos a priori. Ao invés disso, busca-se colocar em evidência a complexa rede de relações que as constitui enquanto artefatos culturais, especialmente no que refere-se à sua circulação, recepção e consumo.” (COSTA, 2016).

A CMPE não possui plano museológico ou presença de um museólogo. Desde a abertura, ele sempre constituiu em pedra de tropeço para as autoridades em Medelim, expondo uma narrativa do ponto de vista unicamente da família Escobar. As representações propostas ali são rejeitadas pelo poder e pela elite locais. Uma séria questão encontrada neste museu, é exatamente àquela capaz de investigar que tipo de imagens a sociedade colombiana se fideliza hoje e vem se fidelizando com o passar do tempo, visto que uma grande parcela odeia o que este museu representa e uma outra venera o que emerge dele.

Com uma expografia pouco inovadora e um acervo simplório, a instituição vem chamando atenção devido a sua narrativa que destoa daquela oficial. O extraordinário poder legitimador do museu como espelho de um povo torna a CMPE naquele terceiro exemplo do que o filósofo italiano Giorgio Agamben chama de “poder moderador e de desequilíbrio de um dispositivo”. É a narrativa não-oficial, à margem, capaz de desnudar a sociedade e mostrar-lhe a sua outra face. E mesmo que tenhamos dúvidas se algum dia perpassou por ali um cuidado ético, a reflexão ética está presente, de maneira latente e paradigmática.

O governo solicitou e conseguiu junto ao Ministério do Turismo da Colômbia uma ação liminar para que a visitação fosse vedada aos colombianos. Por motivos de logística, houve problema para fazer valer o cumprimento da lei, visto que haveria necessidade de manterem um apoio policial à entrada do museu permanentemente. Tal solicitação manteve, todavia, a franquia de visitação para estrangeiros.

Esse museu explicita um espectro emocional de uma sociedade. Ele é exemplo de conflitos extremamente atuais. A ferida exposta por Escobar durante sua vida e após a sua morte, está cicatrizada? Este parece ser um dos lugares mais problemáticos porque é exatamente nele que enxergamos uma parte obscura da sociedade que construímos.

É um museu de discórdia. Sabemos que as representações pertencem a quem detém o poder e a existência deste museu indesejado demonstra que ao perdedor é proibido um lugar de fala.

¹Bacharel em Museologia pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). E-mail: fs.antonio@gmail.com

 

 

REFERÊNCIAS

AGAMBEN, Giorgio. Profanações. São Paulo: Boitempo, 2007.

COSTA, Helouise. “1949. A fotografia moderna chega ao museu: os estudos fotográficos de Thomaz Farkas”. In: CAVALCANTI, Ana Maria Tavares et al. Histórias, 2016, p. 113.

MIRANDA, Boris. A história dos dois quadros pintados por Botero sobre a morte de Pablo Escobar. BBC BRASIL, 2018. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/geral-46406811>. Acesso em: 14 maio 2019.

Visite Casa Museo Pablo Escobar em: www.pabloescobargaviria.com

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