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Ressignificando sentidos e olhares

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por Giselli Maria Araújo de Souza Pereira

Para dar início a esta atividade, resolvi fazer uma provocação aos estudantes dos dois sétimos anos do Ensino Fundamental, da escola em que leciono em Juiz de Fora que fica localizada na zona Norte da cidade, bairro Cidade do Sol.

Nossos estudantes têm pouco contato com os museus da cidade e quando o tem, na maioria das vezes, o faz a partir de ações promovidas pela própria escola. Vale ressaltar que não são muitos os museus que temos em nossa cidade, e, até bem pouco tempo, boa parte encontrava-se fechada devido à pandemia ou por questões administrativas.

Assim, fizemos uma roda de conversa acerca dos museus da cidade como lugares de memória e de esquecimentos. Listamos os museus que eles já tinham visitados, os que eles ainda não conheciam e quais os sentimentos que experimentaram ao realizar a visita. A partir dessa conversa, descobri que a maioria dos estudantes dessas turmas nunca foi a um museu e muitos têm como referência o Museu Mariano Procópio que encontra-se total ou parcialmente fechado aproximadamente há 14 anos. Para boa parte desses alunos, os museus não passam de lugares velhos, antigos, que guardam objetos, histórias e memórias de pessoas que viveram num passado bem distante e sem conexão com o tempo presente.

A provocação feita aos meus alunos e alunas serviria de subsídio para a visitação e observação que eu faria ao museu da cidade para desenvolver a atividade de finalização do módulo Educação Patrimonial, percursos, concepções e políticas públicas, da disciplina Ensino de História e Patrimônio Cultural, do Programa de Pós-Graduação em Ensino de História- Profhistória. Afinal, que ligação os museus de Juiz de Fora têm com o presente e com o cotidiano da população da cidade e região? Quais significados, representatividades, tensões e silenciamentos eles carregam consigo?

Assim, escolhi revisitar o Museu Ferroviário de Juiz de Fora por três motivos. O primeiro deles é que este museu faz parte do roteiro de passeios realizados pela escola, uma vez que a ferrovia é um elemento que faz parte da paisagem urbana da zona Norte e do dia a dia das nossas crianças, estudantes e da comunidade escolar. O segundo, é que este foi o último museu em que eu levei os meus alunos e alunas para visitação antes da Pandemia da COVID 19. E por último, porque este é um local que eu frequento semanalmente, pois participo de uma das atividades promovidas pelo espaço cultural desse museu.

A última vez que fizemos a visita a um museu com os alunos da escola foi no primeiro semestre de 2019 e eram estudantes do nono ano. O conteúdo que estava sendo trabalhado com eles era Expansão da cafeicultura e industrialização. Naquela ocasião, a visita ao museu teve relevância no processo de compreensão de como o município é fortemente marcado pela ferrovia e, consequentemente, a sua relação com as atividades econômicas que impulsionaram a cidade no final do século XIX e início do século XX.

Para a realização deste trabalho busquei nos meus arquivos de fotografia as fotos da visita citada acima, e, na minha memória pessoal, as lembranças de como esta visita tinha acontecido e as impressões que eu e meus alunos e alunas tivemos durante este passeio. Para completar, retornei recentemente ao museu com o intuito de tentar perceber sentidos, nuances, perguntas e curiosidades acerca das exposições em museus que até o momento não tinham sido despertadas em mim.

O Museu Ferroviário de Juiz de Fora fica localizado no centro da cidade, na antiga sede da Estrada de Ferro Leopoldina, atrás da Praça Doutor João Penido, popularmente conhecida como Praça da Estação. Apesar de sua localização central, ele não é visível aos transeuntes e nem tão pouco às pessoas que ficam no ponto, bem em frente ao museu, à espera do transporte coletivo. Há uma construção que o separa da praça, do contato com as pessoas e do movimento da cidade.

Embora pequeno, o Museu Ferroviário possui um acervo bem organizado, com um arquivo de mais de 300 peças dispostas em vitrines, painéis e ambientes que abordam as seguintes temáticas: História da Ferrovia, Agência de Estação, Sinalização e Via Permanente, Escritórios Ferroviários e Material Rodante e Aspectos Tecnológicos. As peças do acervo vão desde equipamentos, louças, sinos, relógios, miniaturas, maquetes, mobiliários, livros, fotografias até instrumentos de trabalho, de sinalização e de comunicação.

Ao circular pelas salas temáticas, percebi que há uma grande preocupação na preservação dos objetos e de traçar uma linha temporal cronológica da história da ferrovia. Em todos os ambientes há faixas que delimitam os espaços que os visitantes podem transitar, deixando bem claro que não se pode tocar nos objetos. Lembro-me que da última vez que fui a este museu com meus alunos, um deles queria de todo jeito tocar os sinos, ouvir o som de cada um deles e isso me deixou angustiada, pois eu também, como ele, queria ouvir e não podia. E ainda, sob tensão, tive que ficar vigiando e sinalizando aos alunos para que não tocassem nos objetos e nem ultrapassassem os limites das faixas.

Escritório Ferroviário – Museu Ferroviário de JF, 2022.
Sinalização e Via Permanente – Museu Ferroviário de JF, 2022.

Além das salas temáticas destinadas à exposição do acervo, há também um auditório que pode ser utilizado para apresentações, projeção de filmes e palestras. Um pouco mais adiante há outro salão onde acontecem oficinas de dança, yoga, alongamento, pilates, zumba, etc. Essas atividades fazem parte do Programa de Atividade Física e Qualidade de Vida, destinado aos funcionários da Prefeitura de Juiz de Fora. Antes da Pandemia de COVID 19, o Museu Ferroviário também promovia atividades culturais aos finais de semana no espaço aberto, como shows, apresentações teatrais, feiras e oficinas.

Na área externa, há duas locomotivas a vapor entre outros objetos do universo da ferrovia. Desde fevereiro, nesse mesmo espaço, também está em exposição “A capivara de Tróia” que faz parte do projeto do Programa Cultural Murilo Mendes “Salve Paraybuna – Minifestival de Ecoartivismo”. A exposição é composta pela escultura de uma capivara feita de bambu acompanhada por 14 painéis produzidos por artistas locais. Estes painéis retratam a importância do rio Paraibuna para a memória local e nos convida a refletir sobre a necessidade da sua preservação ambiental. A escultura da capivara tem um significado simbólico para a cidade e seus moradores, pois é um animal que faz parte da rotina daqueles que transitam pela Avenida Brasil, e que a qualquer momento podem se deparar com as capivaras em vários pontos das margens do Rio Paraibuna à luz do dia.

Ao observar essa exposição temporária não vi nenhuma legenda explicativa sobre as obras ali expostas e nem tão pouco a promoção de ações educativas que permitissem intervenções e interações com os visitantes, uma vez que a temática abordada nas obras remete à questões de memória e ao mesmo tempo do cotidiano dos moradores de parte da cidade.

Locomotivas originais – Museu Ferroviário de JF, 2019. Capivara de Tróia – Museu Ferroviário de JF, 2022

A visita ao espaço pode ser agendada ou pode acontecer livremente. Tive a oportunidade de experimentar as duas formas de visitação. Quando esta é agendada, ela acontece de forma dinâmica e guiada pelo professor responsável pelo acervo ou supervisor do museu.

Durante a visita guiada que fizemos em 2019, assim que adentramos ao museu fomos recebidos pelo profissional responsável pelo local e este nos encaminhou para o auditório onde fez uma explanação sobre o processo de construção do museu e sua finalidade. Logo em seguida, os alunos foram encaminhados para a visitação das salas ambientes e por último ao espaço externo.

Para finalizar a visitação, fomos encaminhados novamente para o auditório para uma roda de conversa onde os alunos puderam expor suas impressões sobre a visitação e sobre o próprio museu.

Visita dos alunos do 9º ano da E. M. Henrique José de Souza ao Museu Ferroviário de JF, 2019.

Já na visita que fiz recentemente para a realização dessa atividade, fui recepcionada por um funcionário e um vigia do museu que estavam ali com o intuito de informar, assegurar e proteger os objetos do museu, interagindo muito pouco com os frequentadores e visitantes do local. No momento em que estive no museu, havia duas estudantes de uma escola pública que estavam fotografando as exposições para a realização de uma atividade escolar. Mas como eu, estavam observando os objetos que estavam ali, organizados e expostos de forma cenográfica, para serem admirados, e não para serem ressignificados a partir do olhar e das emoções de cada uma de nós.

Assim, com base na forma como as visitas são conduzidas e a maneira como os objetos são expostos percebe-se a concepção de patrimônio adotada pelo museu pautada na necessidade de proteção, de defesa e de respeito ao seu acervo e à cultura local. Ao analisar as ações educativas e culturais desenvolvidas pelo museu fica evidente a preocupação em transformar o museu num espaço que vai além de um local de depósito de objetos antigos. Contudo, o diálogo com os moradores da cidade, com os frequentadores desse espaço cultural e com os visitantes do museu ainda é bem discreto.

Outro ponto relevante, é que mesmo com as ações e com a abordagem das exposições voltadas para os impactos da ferrovia na sociedade e na economia do município e para a valorização da cultural local, determinados grupos sociais e regiões da cidade não são reconhecidas nas exposições e alguns temas importantes que envolvem a temática da ferrovia não são lembrados. Na recepção do museu, há bustos de homens que são postos como indivíduos importantes para a construção e história da ferrovia, mas não há menção aos trabalhadores e trabalhadoras da ferrovia ao longo das exposições. Na página no Facebook do museu e na página da prefeitura há postagens e reportagens que destacam a exposição de painéis com fotos de trabalhadoras da ferrovia e de mostras que abordam a figura da mulher no universo da ferrovia e a rotina dos funcionários ferroviários. Mas, esses elementos não são explorados pelas exposições nas salas ambientes e não fazem parte do acervo fixo do museu. A linha férrea corta a cidade e até os dias atuais o trem é um elemento marcante na paisagem urbana e no cotidiano dos juiz-foranos. Apitos, acidentes, construções de novos viadutos no cenário urbano e engarrafamentos causados pelo tráfego dos trens são uma constante para muitos moradores e isso não é explorado pelas exposições e pelas ações educativas, o que nos dá a sensação de que o museu tem como foco a abordagem na reprodução do passado a partir elementos que não fazem mais parte do presente e do dia a dia da população, dissociando os objetos de suas energias e de seus sentidos.

REFERÊNCIAS

BRULON, Bruno. Descolonizar o pensamento museológico: reintegrando a matéria para re-pensar os museus. Anais do Museu Paulista. São Paulo, Nova Série, vol. 28, 2020, p. 1-30. e1 Disponível: https://www.scielo.br/j/anaismp/a/KXPYHFZfFNqtGd9by39qRcr/?format=pdf&lang=pt

CHAGAS, Mario. Museo, memoria y educación: solo la antropofagía nos une. Memorias del V Encuentro Regional de América Latina y el Caribe sobre Educación y Acción Cultural en Museos CECA – ICOM, 2008. http://mariochagas.com/wp content/uploads/2020/11/44museoseducacion.pdf

GONÇALVES, Janice. Da Educação do Público à Participação Cidadã: Sobre Ações Educativas e Patrimônio Cultural. Revista Mouseion. Canoas, Unilasalle,n.18, dezembro de 2014. Disponível em: https://revistas.unilasalle.edu.br/index.php/Mouseion/article/view/1860/0

ITABORAHY Cecília, Programa Murilo Mendes: o que se vê através do Paraibuna? Tribuna de Minas, Juiz de Fora, 18/02/2022. Disponível em: https://tribunademinas.com.br/noticias/cultura/18-02-2022/programa-murilo-mendes o-que-se-ve-atraves-do-paraibuna.html Acesso em: 18/04/2022.

Mulheres, ferrovia e direitos trabalhistas são temas de mostra no Museu Ferroviário. Portal de Notícias – FUNALFA. Juiz de Fora, 7/3/2018. Disponível em https://www.pjf.mg.gov.br/administracao_indireta/funalfa/mf/index.php Acesso em 18/04/2022.

Museu Ferroviário. Portal da PJF – Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage – FUNALFA. Juiz de Fora. Disponível em: https://www.pjf.mg.gov.br/administracao_indireta/funalfa/mf/index.php Acesso em 18/04/2022.

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