Museu da Imigração da Ilha das Flores
por Luane Ribeiro Vidal
Depois de muitos desencontros e tentativas frustradas, visitei o único museu da minha cidade, São Gonçalo – RJ, o Museu da Imigração da Ilha das Flores. Como o dia estava lindo, minha filha se animou e foi comigo.
O museu é parte de um complexo naval composto por 5 quartéis. Para quem não costuma frequentar espaços militares, a chegada parece bastante hostil. O acesso ao museu só é possível acompanhada de um militar. No turno da manhã, os mediadores são estagiários da UERJ – FFP, à tarde são os militares. Entretanto, mesmo no turno da manhã, com um monitor estudante de História, um militar nos acompanha obrigatoriamente. Nos acompanharam Gabriele (estagiária) e Rulian (militar).
O espaço é amplo e muito bonito! E me causou bastante incômodo, pensar sobre o fato dos militares terem se apropriado daquele lugar. Mas depois de uma breve reflexão sobre os pontos históricos de São Gonçalo, me dei conta de que infelizmente, se a marinha não estivesse lá, provavelmente essa estrutura estaria abandonada, assim como a fazenda Colubandê, as cavernas de Santa Izabel e tantos outros lugares de memória que foram abandonados pelo poder público, na minha cidade.
Segundo os responsáveis pelo museu, eles atendem a todas as idades modificando o vocabulário, quando necessário. Mas não há materiais ou dinâmicas específicas para o público infantil. Minha filha de 4 anos não se sentiu incluída em nossa visita que durou 40 minutos.
O lugar é lindo! Tornando-se inevitável imaginar os imigrantes chegando, depois de atravessar o atlântico, e se deparando com aquela paisagem! Um pequeno porto, uma prainha gostosa, muitas árvores colorindo e sombreando o espaço, composto de antigas casas do final do século XIX. Um bom cenário para se pensar em uma vida nova!
A hospedaria funcionou de 1886 até 1966. A partir de 1969 serviu como prisão e local de tortura de presos políticos no contexto da Ditadura militar. Apesar de toda limitação causada pelo controle da marinha sobre o espaço, quando passamos perto da ala utilizada como prisão e local de tortura, senti que a mediadora falou sobre o assunto abertamente e sem tabus. Confesso que essa foi uma surpresa boa!
O circuito a céu aberto consiste em um tour pela ilha, onde o mediador vai nos contando a antiga função de cada prédio. Entretanto, não podemos entrar nos prédios, pois são utilizados para fins administrativos da marinha, alguns não podem ser fotografados e outros não podemos, nem mesmo, nos aproximar.
Ao longo do percurso, há placas autoexplicativas com fotografias e textos sobre a hospedaria.
Há, entretanto, dois espaços em que podemos entrar: um é a antiga estação de embarque do cais do bote, onde os funcionários da hospedaria utilizavam para saírem da Ilha. A outra era a casa do intérprete, onde hoje é o museu de fato.
Toda documentação referente ao período da imigração está disponível no Arquivo Nacional. O acervo do museu é apresentado ao público de forma digital e interativa. Dividido em períodos como “Grande Migração – 1870- 1914”, “Entre Guerras 1919-1939”, “Pós Guerra 1945-1966″ e “ Espaço prisional”. Para cada período há disponível um monitor e fones de ouvido para que o visitante escolha os depoimentos, registros iconográficos ou trechos de livros que queira acessar.
Esse museu foi inaugurado em 2012, e foi uma iniciativa da Marinha, em parceria com a UERJ. O grupo de pesquisa vinculado ao museu é o Centro de Memória da Imigração da Ilha das Flores (CMIIF). (…)
Assim como me entristeceu ter visitado a antiga hospedaria de imigrantes europeus, no dia dos povos indígenas do Brasil, e constatar a já esperada ausência dos povos originários, que habitaram esta região. Para eles nada, nenhuma referência. A mesma ausência se deu às pessoas africanas escravizadas, que foram substituídas pelos protagonistas do museu. Mas essa tristeza não me paralisa, pelo contrário, me motiva a buscar alternativas e pensar possibilidades de construir com os estudantes uma educação patrimonial decolonial, que integre todos os sujeitos silenciados e apagados da História da nossa cidade.
Em São Gonçalo existem muitos espaços de memórias abandonados pelos poderes públicos e situados em regiões onde a violência do tráfico dificulta iniciativas voluntárias ou institucionais. Inclusive, perto da minha antiga escola, há uma capela de estilo jesuítico, construída no século XVII, completamente abandonada pelo poder público. Alguns moradores ligados à Igreja cuidam dela, mas já foi saqueada e vandalizada de muitas formas. Hoje a região é dominada pelo tráfico, o que inviabiliza acessar esses espaços.
O circuito a céu aberto foi um exercício de imaginar a partir da iconografia disponível, como era e como está a Ilha das Flores. Caminhar por este lugar vendo todas as mudanças que foram feitas, prédios demolidos ou alterados, antes da ideia do museu, para se adaptarem às demandas da marinha, nos traz à tona o sentimento de finitude, de que a vida é metamorfose.
O próprio porto e a hospedaria representam o eterno ir e vir da vida. Foram lugares de passagem… de chegadas e partidas. Muitos sonhos passaram por ali, muitas utopias podem ter nascido ou se transformado naquele chão. Um chão que provavelmente em outro tempo, foi morada dos Tamoios, um chão que possivelmente foi suor, labuta e resistência de africanos/afrobrasileiros. Sobre isso não podemos afirmar, só supor, pois a História oficial segue invisibilizando muita gente… nossa gente.
O que podemos afirmar é que tudo muda. E esse ano eu desejo forte, convocando toda nossa força ancestral para que a mudança aconteça nos trazendo de volta a esperança, mas não a esperança pacífica da espera, falo da esperança da ação, do verbo esperançar, ensinada por Paulo Freire. Desta forma, concluo esse desafio feliz, grata e convidando-as a ouvir Todo Cambia – YouTube, pois se pudesse colocar uma trilha sonora a visita do Museu da Imigração da Ilha das Flores, seria essa canção.