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Feliz dia, da museóloga.

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por Inês Gouveia

 

 

As frases palavradas dos telegramas nos remetem à regulamentação do exercício profissional da Museologia e possibilitam pensar no trabalho de costura para se chegar à aprovação da Lei n.º 7.287, em 18 de dezembro de 1984. Trata-se de um bastidor pouco (re)conhecido e que pode ser pensado como parte do trabalho de articulação.

Os documentos são registros da atuação profissional de Waldisa Rússio Camargo Guarnieri. Referida muitas vezes por sua elaboração conceitual a respeito do objeto da Museologia (o fato museal ou museológico), ela foi, entre outras coisas, responsável pela criação do Curso de Museologia da FESP, participou da articulação local e nacional a respeito das políticas de cultura nos anos 1980 e foi das mais eloquentes agentes na defesa de uma perspectiva política de participação a respeito dos museus e da Museologia. Atuou também ativamente, como os documentos indicam, no processo de regulamentação da profissão “de museólogo”.    

Há alguns anos, em alguns contextos da Museologia brasileira, quando o nome de Waldisa Rússio Camargo Guarnieri aparecia nas salas de aula e nos auditórios (fora de São Paulo), alguns comentavam: “Waldisa? Mas ela não era museóloga, era?” “Era advogada e socióloga!”. Uns afirmavam categoricamente que não, outros não sabiam explicar. Retomo essas negativas, dúvidas e defesas para pensar sobre quais são as condições que produzem a autoridade de ser ou interditar o “ser museóloga”. Um papo denso, que busquei desenvolver mais metodologicamente em outros textos e que aqui retomo de modo breve, relembrando Waldisa e suas articulações.

Não vou tentar te prender no suspense: sim, Waldisa Rússio foi museóloga! Subjetivamente e objetivamente falando, pois não há quem seriamente possa sustentar que ela não reunia a capacidade e experiência para pensar e fazer museus, quando a lei de regulamentação foi aprovada. E, evidentemente, nos termos da lei, Waldisa foi inscrita no Conselho de Museologia. Recentemente, inclusive, tivemos a alegria de ouvir a professora Cristina Bruno contar sobre o dia em que ela, junto com Waldisa e outras museólogas e museólogos foram fazer a inscrição no Ministério do Trabalho, etapa fundamental para a própria formação do Conselho Regional de Museologia em São Paulo. Não resta nenhum espaço de argumentação quanto à certificação museológica de Waldisa e a dúvida que pairava (paira?) pode ser apenas resquício do confronto de posições. 

A respeito da articulação, como podemos compreender por meio dos telegramas, Waldisa empreendeu esforços diretos para mobilizar sujeitos e instituições capazes de influenciar na tramitação do projeto de regulamentação da profissão. Ela passou a participar desse processo nos anos 1980, integrando e também divergindo dos debates coordenados pela Associação Brasileira de Museologia (ABM), que desde a década de 1960 vinha empreendendo esforços para a regulamentação. 

Nos anos 1980, Waldisa talvez não tivesse espaço para se esquivar da dimensão nacional deste debate, já que para ela importava diretamente os termos da negociação do “valor propriamente museológico do museólogo/a”. Em sua perspectiva, a certificação ideal em Museologia deveria ser uma formação superior em Ciências Humanas e Sociais e uma pós-graduação em Museologia. Trata-se de uma defesa que precisa ser compreendida em seu contexto, já que havia a necessidade prática de se abarcar o perfil de profissionais e pesquisadores que, à semelhança dela mesma, não tinham cursado a graduação em Museologia.

Observa-se nos telegramas a dimensão coletiva do trabalho que vinha sendo empreendido. Na relação com outros sujeitos e instituições, Waldisa representava uma posição que vinha articulando a partir do Curso de Museologia da FESP e, por meio de duas associações que ela criou e dirigiu: a já mencionada ASSPAM e a Associação de Trabalhadores de Museus. Observando esses bastidores prévios, compreendemos porque a proposta que ela defendeu foi a mais abrangente, já que correspondia ao caráter ampliado do debate em São Paulo. Um trabalho que envolveu alguns agentes e que teve a figura angular de Waldisa Rússio, na tarefa de coletivizar a discussão e ativamente exercer – ou buscar exercer – influência nas redes de articulação política. Um metódico trabalho de articulação que talvez tenha sido o diferencial no somatório de forças para que o intento, que já se buscava há 20 anos, fosse alcançado. 

Após muitas brigas, a posição que Waldisa defendeu teve mais êxito em assegurar, entre outras coisas, que também pessoas formadas na pós-graduação pudessem ser certificadas. Obrigada Waldisa Rússio Camargo Guarnieri e as “suas” associações! Eu e todes museólogues “nutela” (risos), lhes agradecemos muito, especialmente quando comemoramos este dia 18/12!  

Sua posição, além de pragmática e coletiva, era também politicamente articulada, pois, para além dos critérios de formação e da expressão de uma ideia de vocação (que exprimiu eventualmente), também sintetizou que o “museólogo” é um trabalhador social, que deve cooperar conscientemente com a transformação da sociedade. Waldisa explicava se tratar de uma elaboração baseada em Paulo Freire e Florestan Fernandes. E, na vida concreta, se esforçava para corresponder a este ideal, engajando-se nos fundamentos de uma museologia popular. Uma articulação espraiada e bastante coerente e, talvez por isso mesmo, muito bem sucedida.

Nos telegramas aqui reproduzidos, em seu próprio nome, em nome da ASSPAM e referindo também a uma posição de consenso com a Associação de Museólogos da Bahia e o Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Museus, Waldisa aciona parlamentares, como Ivete Vargas e Fernando Henrique Cardoso, bem como, espera contar com a “lúcida inteligencia” do então presidente João B. Figueiredo e com a atuação do Ministério do Trabalho.

Esses e outros contextos de articulação estão bastante evidentes no acervo legado por Waldisa Rússio. São registros potentes para pensarmos o campo de ontem e de hoje, a respeito de quem reúne a autoridade e certificação para falar e ser ouvido/a. As correspondências são particularmente interessantes para observar as redes de relações e nisso, a importância da articulação como atividade profissional e intelectualmente sofisticada e, na minha hipótese, também pouco valorizada quando associada ao trabalho feminino, assunto para outras conversas.

Enfim, salve o 18/12, dia das trabalhadoras e trabalhadores sociais!

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Inês Gouveia é Doutora em Museologia e Patrimônio, mestra em Memória Social, historiadora. Docente no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo.

 

Para saber mais:

Os documentos reproduzidos e citados estão sob a guarda do Centro de Documentação da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), na subcoleção da Associação Paulista de Museólogos (ASSPAM). Além da FESP, também o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP) preserva o acervo legado por Waldisa, composto por muitos documentos (por exemplo, textos, correspondências e agendas), seus livros e, entre outras coisas, sua máquina de escrever.

GOUVEIA, Inês. Waldisa Rússio e a Política no Campo Museológico. 2018. 375 p.Tese (Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio – PPGPMUS-UNIRIO/MAST. Rio de Janeiro, 2018. Disponível em http://www.unirio.br/ppg-pmus/ins_cordeiro_gouveia.pdf. Acesso em 15 dez. 2022.

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