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Museu sem Muros: Memória e Territorialidade

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por Nay Costa e Natália Nascimento

O Museu da Diversidade Sexual – MDS é um equipamento da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, e que nasceu em 2012 em diálogo com movimentos sociais LGBTQIAP+ a fim de discutir e valorizar a diversidade dos corpos e existências e da trajetória de luta por direitos e dignidade da comunidade.

O Núcleo de Educação para a Diversidade do MDS tem desenvolvido importantes ações educativas no território do bairro da República, região onde está localizado o Museu e que a mais de cinco décadas tem sido ocupada pela comunidade LGBTQIAP+, contribuindo com narrativas que nos ajudam a entender a trajetória de resistência e orgulho da comunidade.

O presente texto abordará um dos projetos que o núcleo vem desenvolvendo a fim de contribuir com a valorização da memória deste território. As ações aqui apresentadas se referem a atividade “rolezinho LGBTQIAP+”, desenvolvida entre 2022 e 2023.

As respectivas ações fazem parte do programa Museu sem Muros, por meio do projeto Memória e Território, que pesquisa e desenvolve visitas mediadas pelo centro de São Paulo, narrando histórias, apresentando personalidades, espaços, monumentos, acontecimentos e eventos importantes para a comunidade LGBTQIAP+.

Metodologicamente a ação se relaciona com conceito cidade educadora, que entende a o espaço da cidade como território educativo, “nele, seus diferentes espaços, tempos e atores são compreendidos como agentes pedagógicos, que podem, ao assumirem uma intencionalidade educativa, garantir a perenidade do processo de formação dos indivíduos” (Carta, cidade educadoras).

Começaremos comentando sobre novembro de 2022, onde foi apresentado ao público a história de Cristiane Jordan, conhecida como Cris Negrão, uma mulher negra, trans e que viveu entre 1960 e 2007. Falar de Cris é importante pois além dela ter vivido neste território, procuramos desmistificar as narrativas do imaginário social que fortalecem o racismo em torno de sua imagem e existência. Na ocasião, também trouxemos ao público a história da primeira travesti negra que se tem registros no Brasil, Xica Manicongo, uma pessoa escravizada advinda do Congo e que viveu em terras brasileiras no século XVI. A atividade traçou um paralelo refletindo sobre como a história de Xica se assemelha a história de Cris, duas mulheres trans invisibilizadas pelo racismo e pela transfobia. Para ativar importantes histórias, passamos nos seguintes locais: Praça da República, onde conversamos sobre a infância de Cris; Rua Vinte e Quatro de Maio,188 onde Cris aos 13 anos almoçou com Zé Leôncio, cafetão que a convidou para ser cafetinada; Bar Caneca de Prata importante espaço de acolhimento durante as abordagens policiais e reconhecido como patrimônio cultural, por ser um símbolo de luta e resistência; Praça do Arouche onde conversamos sobre as casas de shows e sua importância econômica para a sobrevivência da população LGBTQIAP+; a Rua Marquês, que inspirou o primeiro nome escolhido por Cristiane Jordan (Marquesa); e a rua Rego Freitas esquina com a Rua Major Sertório, em frente ao Restaurante Elenice onde Cristiane Jordan foi assassinada.

Bar Caneca de Prata – Av. Vieira de Carvalho, 63 – Centro Histórico de São Paulo, São Paulo . Fonte: acervo pessoal Nay e Natália.

Em dezembro de 2022, o rolezinho teve como objetivo refletir possibilidades de acessibilizar o percurso no território a fim de que todos os corpos pudessem participar. O evento também fez parte da programação da campanha “Sonhar o Mundo” da rede de Museus de São Paulo. O processo de construção entendeu qual era o trajeto, pensando no acesso para pessoas com mobilidade reduzida. A ação contou também com a participação de intérpretes de libras, audiodescrição, material de apoio para pessoas com baixa visão ou cegas e apoio do metrô sobre a necessidade de os elevadores estarem funcionando perfeitamente. Cinco paradas foram realizadas apresentando as narrativas do bairro da República e a potência da comunidade LGBTQIAP+.

Praça da República – São Paulo – SP, 12020-363. Fonte: Acervo Pessoal Nay e Natália.

Em 2023, alinhado com a energia do carnaval, o rolezinho de fevereiro investigou as festividades da cena LGBTQIAP+, visto que o centro de São Paulo é um grande polo de diversidade cultural. A atividade contextualizou a história de surgimento do Museu, a sua importância para comunidade LGBTQIAP+ e para o território geográfico, visto que o bairro da República tem sido ponto de concentração desta população a mais de cinco décadas, seja para morar, para o lazer ou para trabalhar. Na Praça da República, o público presente foi convidado a imaginar e a voltar no tempo, a fim de perceber as mudanças nas relações sociais, levando-os a perceber a Praça enquanto um lugar de encontro e também de cenário para grandes acontecimentos ao decorrer do século XX. Posteriormente a atividade mergulhou nas narrativas da Cena LGBTQIAP+, trazendo pontos de encontro e lazer como o bar metrópole que embora fosse ocupado majoritariamente por corpos LGBTQIAP+ não era um lugar pensado para receber a comunidade e as primeiras baladas construídas e frequentadas pela comunidade como a Medieval, a Nostro Mundo e a Homo Sapiens (HS). Na Av. Vieira de Carvalho frente a casa da Drag Queen Miss Bia, falecida em 2022 vítima da Covid-19, apresentou-se a importância da mesma para a comunidade por ter protagonizado a cena LGBTQIAP+ com suas performances principalmente a de Hebe Camargo, neste ponto também apresentamos Kaka de Poly Drag queen que também atuou de maneira significativa na luta por direitos. Posteriormente a frente do Bar Caneca de Prata já citado anteriormente e por fim a Praça do Arouche, momento em que falou-se da balada Freedom Club e suas festas matinê destinadas ao público LGBTQIAP+ menor de idade e a cena preta LGBTQIAP+ refletindo em como esse recorte só começou a ganhar visibilidade e espaço a partir de 2015, na ocasião trouxemos três festas a don’t touch my hair, Batekoo e coletivo Amem.

Rolezinho especial de Carnaval no Largo do Arouche. Fonte: acervo pessoal Nay e Nátalia.

Em abril trouxemos ao público reflexões sobre Mário de Andrade, aproveitando o mês em que a famosa carta enviada ao seu amigo Manuel Bandeira completava 95 anos. O documento apresenta trechos censurados e é a confissão mais aberta de Mário sobre sua homossexualidade. Mário foi uma figura importante para o desenvolvimento cultural do País, com grandes atuações na cidade. A atividade se propôs a mergulhar nas atuações no centro de São Paulo e suas repercussões, refazendo alguns percursos do território e investigando as múltiplas narrativas negras e homoafetivas de Mário na cidade.

Diante do exposto é possível perceber algumas estratégias que o Núcleo de Educação do Museu da Diversidade Sexual tem levado ao território. Tais ações se mostram pertinentes e de extrema importância para a valorização da memória local e de grupos minorizados socialmente, narrativas alicerçadas pela pesquisa e pelo diálogo com o território e com a comunidade LGBTQIAP+.

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PARA SABER MAIS:

Cidade Educadora. Centro de Referência em Educação Integral, Brasil, 10/07/2014. Disponível em: <https://educacaointegral.org.br/glossario/cidade-educadora/>. Acesso em: 01 de junho de 2023.

 

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