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“Uma carta de amor para o futuro”

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por Aline Montenegro Magalhães e Romney Lima

É assim que Silvio Tendler define a peça de teatro “Olga e Luiz Carlos: uma história de amor”, cuja criação e direção geral levam a sua assinatura. E é mesmo, “uma carta de amor para o futuro” e para todos que tiveram e que ainda podem ter a oportunidade de assistir a esse espetáculo, como fizemos, há algumas semanas.

A peça estava em cartaz no Teatro de Arena do SESC Copacabana. Sentamos em volta do palco vazio, que víamos de cima. O cenário ia sendo montado no decorrer da dramatização das cartas trocadas entre Olga Benário e Luiz Carlos Prestes, entre 1936 e 1942. E pelos próprios personagens, com poucos elementos e parcos objetos que eram o suficiente para simular o ambiente claustrofóbico da cela em que estavam presos. Ela na Alemanha, entregue por Vargas aos nazistas numa tentativa de aproximação política, gerando um bebê dos dois em seu ventre. E ele no Brasil da ditadura estadonovista de Vargas, como preso político. Movimentavam-se no espaço mínimo que os limitava, compartilhando saudades, angústias e medos, o que as notícias de Anita Leocádia, nascida na prisão, contrabalançavam com leveza e fé na vida.

Mariannna Mac Niven como Olga Benário, Julio Adrião como Luiz Carlos Prestes e Vera Novello como d. Leocádia. Fonte: Revista Veja

Marianna Mac Niven é Olga Benário, Júlio Adrião, Luiz Carlos Prestes e Vera Novello, d. Leocádia, mãe de Prestes. O elenco, dirigido por Isabel Cavalcanti, forma uma tríade iluminada no palco. As dores e alegrias da maternidade são trazidas de forma comovente por Mac Niven e recebidas por Adrião com muita emoção e ansiedade pelo (re)encontro. Aliás, o casal tem tanta sintonia, uma interpretação tãp bela e poética, que nos atravessa e às vezes transcende os horrores da vida no cárcere. Há cenas que dilaceram o coração … tá bom, não darei “spoiler”! Mas vale nota a figura de Novello, trazendo o tom histórico e didático do momento no qual se desenrolou esse amor epistolar interditado pelo autoritarismo nazifascista. Em diálogo com imagens e textos projetados em telas (como não poderia deixar de ser em uma obra concebida pelo cineasta Silvio Tendler), nos situamos nas décadas de 1930 e 1940 do século passado, conhecendo o mundo capitalista em crise (como sempre) e em guerra, palco desse amor em tinta e papel, que hoje nos permite conhecer o lado mais sensível e fragilizado que humaniza essa dupla revolucionária, geralmente marcada em nosso imaginário por sua visão estratégica, força e coragem sobre-humanas.

Ainda a fala de Novello nos remete ao tempo em que expressávamos os sentimentos com nossa caligrafia em folhas de carta. A escolha do papel, o capricho na escrita, a compra do envelope e a postagem nos correios. O tempo da espera e a alegria do recebimento de notícias de quem queríamos bem. Um processo substituído pela imediatez das mensagens instantâneas digitadas com letras impessoais no fundo comum das telas, enviadas em questão de segundos…

Bem, sobre Benário e Prestes, o final dessa história nós já conhecemos, mas é necessário que jamais esqueçamos. E a peça cumpre mais esse papel, o de nos lembrar um passado que não desejamos, que lutaremos sempre para que seja extirpado, de uma vez por todas, do nosso presente e do nosso futuro como possibilidade de experiência. Podemos dizer que, além de ser uma carta de amor para o futuro, também é uma ode à democracia, nos inspirando a juntar os caquinhos e a seguirmos construindo uma sociedade melhor. Saber que o caso de Marielle Franco venceu mais uma etapa na direção das respostas que tanto queremos saber (Quem mandou matar? Por que?) também é um alento e um sopro de esperança que devemos celebrar no teatro. Vamos? A peça fica em cartaz até domingo, dia 30/07, no Teatro Ipanema, Rio de Janeiro. Mas esperamos que em breve possamos assistí-la em São Paulo e rodar o Brasil inteiro. Depois de tudo que passamos nos últimos 6 anos, nós merecemos!!!

Aproveitamos para registrar aqui nossos especiais agradecimentos a Ana Velloso, produtora da peça, aos queridos amigos Claudio Mendes e Marianna Mac Niven, que tornaram possível nossa presença no teatro num daqueles dias em que só a arte para salvar.

 

Para saber mais:

PRESTES, Anita Leocadia. Olga Benario Prestes: uma comunista nos arquivos da Gestapo. São Paulo: Boitempo, 2017. UMBELINO, Giseli Origuela. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 13, n. 25, p. 93-98, Jan./Jun. 2019.

 

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