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Olhe para o alto e repare: os edifícios são intencionais

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por Joyce Rodrigues

João tem como hábito cotidiano caminhar de segunda à sexta-feira do seu ponto de ônibus até a Avenida Presidente Antônio Carlos, para entrar no Prédio do Tribunal Regional do Trabalho, o antigo Ministério do Trabalho. Como boa parte dos cariocas que ali circulam diariamente, João nunca parou para refletir sobre o lugar que trabalha. Certo dia, após o expediente, foi tomar uma cerveja com seus amigos na Rua Alcindo Guanabara, na altura do Bar Amarelinho. Jogando conversa fora, desabafavam o quanto estavam cansados do ritmo que estavam levando a vida, das demandas que deveriam dar conta e explanando que aquele era o momento em que estavam se sentindo no tempo do ócio criativo para verbalizar sentimentos.

-Reparei que me sinto pior quando vou entrar no Tribunal Regional do Trabalho, mas depois que estou lá dentro passa. É como se fosse automático. – disse João.

– Já reparou onde trabalha meu irmão? Os edifícios são intencionais. – comentou seu amigo, Gustavo.

“Os edifícios são intencionais” essa frase ficou reverberando na cabeça de João por dias, até que depois sentou para pesquisar sobre o lugar e ao redor do seu local de trabalho. Durante suas leituras, passou a se questionar o quanto um lugar de travessia habitual passa despercebido, como se tudo estivesse já dado. Em suas leituras e reflexões, Carlos percebeu o quanto a sua subjetividade era marcada pela estrutura do edifício no qual ele trabalhava todos os dias.

O antigo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio foi criado em 1930, no contexto do Brasil República, em que Getúlio Vargas estava à frente do governo. Os edifícios arquitetônicos levantados na Esplanada do Castelo impactaram o Morro do Castelo devido a uma série de reformas urbanísticas que expulsaram parte da população visando dar uma nova cara à altura do seu tempo: a modernidade.

Ministério do Trabalho, Rio de Janeiro. Fonte: Laboratório de Estudos de História dos Mundos do Trabalho

O edifício não é fechado em apenas um modelo arquitetônico. Ele possui em sua estrutura a concepção moderna e art déco. O art déco é um estilo que surgiu antes da Primeira Guerra Mundial, representando o progresso tecnológico, luxo e exuberância, marcado pela presença da verticalidade, grades geométricas bem definidas, escalonamento dos andares e o coroamento presente no edifício. E ao mesmo tempo, dialoga com a arquitetura modernista que surgiu na primeira metade do século XX, representando o minimalismo, valorização das formas geométricas e funcionalidade da edificação, além da ausência de ornamentação. Essas características de ambos os estilos estão presentes no atual prédio do Tribunal Regional do Trabalho.

“O Antigo Ministério do Trabalho no Rio de Janeiro foi tombado por sua importância cultural para a cidade.” Fonte: Ipatrimonio/Google Street View

Compreende-se os estilos em um processo histórico de industrialização presente no contexto, nos quais os ideais da arquitetura também conversam com o tempo em que estão inseridos. O que dialoga com o projeto modernizador de Getúlio Vargas, construindo a aceleração da industrialização do país e fortalecendo a figura do trabalhador-cidadão que era responsável pelo país que nascia e se afirmava enquanto uma nação.

João, ao se dar conta através da instigação que seu amigo Gustavo lhe deixou, percebeu que nada é neutro. Compreendeu que sua relação com o trabalho também era construída a partir do que o edifício representava como um todo. O trabalhador é aquele que carrega o país nas costas; o trabalho e o trabalhador carregam a alienação. A vida torna-se o trabalho, conversas comuns giram em torno do trabaho, o trabalho está dentro de casa. Não há vida sem o trabalho, pois considera-se que “o trabalho dignifica o homem”. E isso pode ser expresso através de um edifício.

Durante a aula de campo com o Prof. Carlos Eduardo Pinto (UERJ), ao caminharmos pela Avenida Presidente Antônio Carlos, eu me senti bastante impactada pela monumentalidade dos edifícios que perpassa. O antigo Ministério do Trabalho me chamou um tanto atenção, principalmente esse lugar um tanto “sem vida” que ele transmitia. Me fez pensar um pouco sobre a dinâmica da vida adulta e a relação com o mundo do trabalho. Sou cercada de pessoas que cederam a lógica robotizada, vivem a vida de forma automática e quando, por algum movimento de mudança, se recordam dos pequenos prazeres que a vida tem a oferecer, conectando-se com tudo aquilo que acende sentimentos que nos fazem sentir vivos. Ter tempo de qualidade para se pensar e se cuidar, para estar com os outros. Sentir o encantamento com o mundo que pulsa pelas frestas e viver os afetos enquanto nos atravessam.

Estar diante de edifícios que me fazem sentir tão pequena também é parte de um reflexo de processos da vida, como estar diante de tarefas e demandas que nos deixam pequenos também. Só que toda uma arquitetura espacial também dialoga com os sentimentos que são projetados em nós, só que estamos tão fissurados em “chegar lá” que não percebemos o que os edifícios que nos cercam provocam em nós. Não apenas um edifício, mas a arquitetura. Perceber que ela não é neutra e como se relaciona com diversos contextos históricos sobre a formação da cidade, me fez perder uma venda que tinha nos olhos. Assim como João, que cotidianamente anda fazendo o que tem que ser feito como boa parte dos cariocas, me enxergava dessa forma, agora sinto que estou descobrindo o mundo, descobrindo a cidade, sem tirar os pés do chão, com os os olhos atentos para o que querem me mostrar.

Comentário

    1. Que bom que gostou Heliane, obrigada, seu retorno é muito feliz para nós!