“FUNK: Um grito de ousadia e liberdade” uma exposição para dançar
por Aline Montenegro Magalhães
A intenção era apenas participar da 7ª cena de Revenguê, exposição de Yhuri Cruz no Museu de Arte do Rio, no dia 29 de setembro de 2023. Mas fomos surpreendidas por outra que tinha acabado de inaugurar, “FUNK: Um grito de ousadia e liberdade”. Como eu e minha mãe chegamos cedo para pegar a senha, resolvermos dar um giro por ali.
Ao cruzar as roletas de acesso ao circuito, já fomos recepcionadas pelo som na caixa e dois telões, um em cada lado do corredor. O da esquerda mostrava jovens dançando o “passinho”, o da direita já apresentava pessoas sambando no carnaval. Conseguimos ver a semelhança dos passos e da ginga de corpo em dois estilos aparentemente tão diferentes, mas com a mesma matriz afrodiaspórica. E seguimos no corredor todo coberto pela estética da periferia com suas pichações e o batidão rolando. Impossível não entrar na exposição no clima dos bailes, “balançando a raba”.
A primeira obra que vimos foi uma animação com gostinho de reparação. Uma colagem digital feita pro Gê Viana intitulada “Radiola de promessa, da série Atualizações traumáticas de Debret”, de 2022. Com base nas pinturas do pintor Francês Jean Baptiste Debret, publicadas em sua “Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil (1834-1839)”, Viana coloca os negros do século XIX carregando imensas caixas de som, como se estivessem a caminho de um baile funk. Um ato de liberdade em tempos de escravidão. E assim se desenrola, entre imagens, objetos, obras de arte contemporânea e canções, a história de um movimento cultural que ainda hoje resiste aos preconceitos e às perseguições.
Dom Filó, um dos curadores da mostra, juntamente com Taísa Machado e a equipe do MAR, nos brinda com os audiovisuais do Cultne, “o maior acervo digital de cultura negra da América Latina”. Nos leva a percorrer a trajetória dos bailes dos morros e das periferias com sua moda, seus estilos e suas diferentes formas de re-existência, desde os tempos da Ditadura Militar, com o fortalecimento da identidade negra em black powers e roupas coloridas, tendo o grande James Brown como referência e inspiração: “Get up (I fell like being a sex machine)”.
Impossível ficar parado ao som das playlists disponibilizadas em totens digitais. Músicas que marcaram diferentes épocas e que dignificam o nome de Djs como o Big Boy e o Malboro, assim como cantores internacionais a exemplo do Stevie B e Tony Garcia e nacionais como Mc Catra e Mc Marcinho, estes que nos deixaram tão cedo. É claro que me lembrei das festinhas da minha adolescência… tinha sempre uma pessoa que puxava o passinho e todos iam seguindo na sincronia e em sintonia. Quando a gente olhava, estava todo mundo dançando igual e isso era o máximo. Saudade da minha Faela, minha parceira de todas as quebradas. Como cantava Claudinho e Buchecha, “avião sem asa, fogueira sem brasa, sou eu assim sem você…”
Uma referência à “cidade partida” entre a Zona Norte e a Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro, separadas por túneis como o Santa Bárbara está na faixa suspensa que nos lembra: “Existe vida do outro lado do túnel”. E essa vida precisa ser preservada, não pode continuar se acabando na mão da polícia e do tráfico de drogras. Devemos lutar para que a história de Silvas não siga se repetindo: “Era só mais um Silva que a estrela não brilha ele era funkeiro, mas era pai de família”. Ser funkeiro é motivo de orgulho, é um modo de vida, como bem mostra a parte dedicada às roupas e acessórios usados pelos funkeiros na exposição. Não dá para seguir sendo usado como “desculpa” para prender e matar o povo preto do Rio de Janeiro. Que o seu reconhecimento como patrimônio imaterial pela ALERJ em 2009, assim como o dos “bailes da antiga”, pela mesma casa, recentemente, possa fortalecer o FUNK e que ele siga alegrando, divertindo e socializando as pessoas, fazendo valer o desejo de Cidinho e Doca: “Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci, é. E poder me orgulhar e ter a consciência que o pobre tem seu lugar”!
Vale a visita à exposição, que fica no MAR até 24 de agosto de 2024, pelo que se vê, se ouve, se aprende e se dança! “LIBERTA DJ!”
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Para saber mais:
Facina, Adriana. “Não me bate doutor”: funk e criminalização da pobreza. V ENECULT – Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura. 27 a 29 de maio de 2009. Faculdade de Comunicação/UFBa, Salvador-Bahia-Brasil.
Está de parabéns, muito boa a narrativa e que me deu uma visão melhor sobre o funk! Beijinhos
Eliete, ficamos felizes que tenha gostado! Muito obrigada!