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Museu Bajubá: museu de território ou território-museu?

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por Victor Hugo Martins

 

Banner da exposição LES GIRLS: charme, glamour e sucesso, 19/12/2024.
Fonte: Site Museu Bajubá.

O Museu Bajubá é uma instituição museal virtual de caráter histórico interdisciplinar com enfoque no patrimônio da população LGBTQIAPN+ do país. Formalizado enquanto pessoa jurídica em 2022, mas em processo de constituição institucional, mescla também atividades pedagógicas e culturais e exposições online, desde 2018 (MUSEU BAJUBÁ, s.d.(A), s.p.).
O Museu embasa suas práticas na perspectiva da Museologia Social, informados inicialmente pelo contato com os museólogos Lenon Braga e Bruno Brulon; e teve seu Plano Museológico construído em contato também com este e com o grupo Museologia Experimental e Imagem (MEI) da UniRio (MUSEU BAJUBÁ, s.d.(A), s.p.). Desta forma teve, desde sua concepção, ideais informados pela gestão participativa e contato continuado com a comunidade, resultando em um alargamento dos conceitos de “homem”, “objeto” e “museu”, considerados fatores basais do “fato museal” (RÚSSIO, 2010); entendidos e trabalhados em troca como “comunidade”, “patrimônio” e “território” (CURY, 2014) respectivamente.
O museu se apropria do patrimônio arquitetônico de três “estações”, consistindo nas cidades do Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo, sobre as quais se discorrem verbetes, exposições online e “walking tours” centrados na experiência LGBTQIAPN+ das localidades. Com isso, defende-se “o reconhecimento do valor patrimonial do acervo histórico e memorialístico inscrito nos territórios ocupados por esses atores ao longo do tempo nas cidades” (RODRIGUES, MORANDO, 2020, p. 320) retomando e re-visibilizando a participação da comunidade na constituição histórica e significativa destes espaços.
Apesar de contar com sede administrativa e biblioteca na cidade de Rio das Ostras (RJ), o Museu não coleciona acervo em si, mas, a partir da leitura, análise, comunicação e produção de narrativas do patrimônio arquitetônico-urbano pré-existente, visa também a preservação de localidades de relevância comunitária pelo uso e reconhecimento continuado. Desta forma, o museu aproxima suas práticas àquelas associadas ao “ecomuseu”, musealizando o próprio território, apropriando-se conceitualmente destas territorialidades historicamente registradas para produção de narrativas, ainda que à contrapelo, em contexto alargado e sem posse direta deste território. Indo além, abriga também no seu site institucional um “Mapa Interativo” que possibilita a inscrição por visitantes de eventos, personagens, localidades e memórias especializadas, insinuando todo o globo como um território LGBTQIAPN+ em potencial, e estimulando a conexão territorial em cada colaborador.

 

Mapa Interativo LGBTI+ Museu Bajubá. Fonte: Site Museu Bajubá.

Em 2023 o Museu recebeu a certificação de Ponto de Memória do Ibram, atestando sua prática de caráter social, e que trabalha a memória coletiva da comunidade LGBTQIAPN+ na forma de seu acervo urbano e de seus espaços e personagens reconhecidos. Desenvolve então suas atividades a partir dos recursos coletados pelo edital, por campanhas de financiamento coletivo e pela venda eventual de itens na loja do Museu, resultando em exposições virtuais, “exposições/vivências dos itinerários/roteiros” (MUSEU BAJUBÁ, s.d.(B), s.p.), palestras, cursos e produção de bibliografia nas temáticas de interesse.
A atuação do museu, idealizada e liderada por membros da comunidade LGBTQIAPN+ representa uma tentativa de retomada do direito à memória comunitária como forma de garantia da cidadania, buscando, a partir do trabalho museológico, a reivindicação também de direitos humanos, qualificação profissional e geração de renda, especialmente para pessoas trans, historicamente excluídas do mercado de trabalho tradicional. O patrimônio socializado, assim, também pode adquirir ainda outras dimensões intangíveis associadas à sua materialidade, complexificando as leituras possíveis e alterando fundamentalmente os próprios campos da museologia e da patrimonialização.

Para Saber Mais

CHAGAS, Mario; GOUVEIA, Inês. Museologia social: reflexões e práticas (à guisa de apresentação). Cadernos do CEOM, Chapecó, Ano 27, n. 41, p. 9-22, 2014.

CURY, Marília Xavier. Museologia e Conhecimento, Conhecimento Museológico – Uma Perspectiva Dentre Muitas. Museologia & Interdisciplinaridade, Brasília, vol. 3, n. 5, mai/jun 2014.

MUSEU BAJUBÁ. Apresentação. Conectando histórias e celebrando resistências. [S.l.], sem data(A). Disponível em: https://museubajuba.org/plano-museologico/. Acesso em: 29 set. 24.

MUSEU BAJUBÁ. Plano Museológico. Conhecer, honrar e se orgulhar. [S.l.], sem data(B). Disponível em: https://museubajuba.org/plano-museologico/. Acesso em: 29 set. 24.

RODRIGUES, Rita de Cassia Colaço; MORANDO, Luiz. Museu Bajubá : uma proposta de cidadania cultural para pessoas LGBTI+. In: SOARES, Bruno Brulon (Ed.) Descolonizando a Museologia: Museus, Ação Comunitária e Descolonização. Paris, ICOM/ICOFOM, 2020.

RÚSSIO, Waldisa. Sistema de Museologia (1983). In: BRUNO, Maria Cristina Oliveira (Org.) Waldisa Rússio Camargo Guarnieri: textos e contextos de uma trajetória profissional. São Paulo: Pinacoteca do Estado/Secretaria de Estado da Cultura/Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Museus, 2010.

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