Sobre sonhos que sonhamos juntos… parte 2. Brasil decolonial: outras histórias
por Márcia Chuva, Aline Montenegro Magalhães, Brenda Coelho Fonseca, Fernanda Castro, Keila Grinberg e Leila Bianchi Aguiar
No dia 19 de maio, uma quinta-feira fria de ventos moderados, aconteceu a inauguração da exposição “Brasil Decolonial: outras histórias”, no Museu Histórico Nacional. Para marcar esse momento tão esperado, houve a projeção do documentário “Decolonizar: um verbo, uma atitude”, de Bel Palmeira, no auditório, seguida da apresentação do SLAM DAS MINAS no Pátio de Minerva, regada a Biscoitos de polvilho e mate gelado. O evento integrou a programação da Semana Nacional de Museus no MHN. O texto que segue, inspirado na fala de Márcia Chuva na abertura, traz um pouco das miradas afetivas da equipe curadora desse projeto. Boa leitura!
Hoje nosso sentimento é de otimismo. E queremos que esse sentimento se prolongue por muito tempo, para enfrentarmos esse, que acreditamos, será o ano da virada.
No contexto que atravessamos, a vitória do conhecimento contra a ignorância e o fascismo é de muito regozijo. É assim que vemos nossa exposição. Enfrentamos muitos desafios e conseguimos, com diálogo e resistência, inaugurar, finalmente, a exposição Brasil decolonial: outras histórias. Com ela, chegamos à etapa final do projeto ECHOES – Modalidades de Patrimônio Colonial Europeu em Cidades Entrelaçadas, financiado pela União Europeia, que contou com a parceria de universidades do Brasil, Europa, Ásia e África, especialmente com o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra – CES-UC. Projeto com uma mirada decolonial provou que as transformações mais significativas, assim como a reprodução de práticas coloniais, se dão nas relações interpessoais, pois é nessa escala que transformamos nosso olhar, que mudamos nossa atitude.
É com muita felicidade e orgulho que estamos aqui hoje e queremos citar colaborações importantes nesse processo: Valeria Abdala Farias, George Abreu e Flávia Figueiredo que estiveram conosco em diferentes momentos da construção da exposição. Zonda por todo apoio na divulgação e apresentação das ações e Isabel Palmeira na criação dos vídeos do projeto.
A parceria com o MHN foi sendo construída desde o início do projeto, em 2018, ainda na direção do professor Paulo Knauss. Foram quase quatro anos com ações compartilhadas, especialmente no período da pandemia. Destacamos a participação em duas edições do Seminário Anual do Museu, “Miradas decoloniais para os centenários portugueses (1940-2020)” e “Escutas, conexões e outras histórias nos museus”; o “Bate-papo: curadoria da exposição “Brasil decolonial: outras histórias”, e a realização da exposição virtual “Brasil decolonial: outras histórias – a história de Maria Cambinda”. Ações também inseridas no programa comemorativo do centenário do MHN. Antes mesmo desse projeto, outras parcerias vinham se desenvolvendo com o curso de História da Unirio, com frequentes visitas de estudantes e disciplinas ministradas nas instalações do MHN. Cabe ainda falar do mestrado profissional em Ensino de História (Profhistória) da Unirio que contou, nesse período, com três professores do MHN. O principal objetivo dessas parcerias é incentivar que, cada vez mais, os alunos da Unirio possam enxergar o museu como espaço de comunicação com públicos diversificados e como lugar de educação, de pesquisa e de produção de conhecimento privilegiado para o historiador.
A participação no projeto ECHOES produziu efeitos em todos que de algum modo nele se envolveram, direta ou indiretamente, refletindo sobre as relações de colonialidade presentes no nosso dia a dia – inclusive nas relações norte-sul vividas no âmbito global do projeto – e também sobre as relações decoloniais que buscamos construir. Nesse sentido, nos questionamos: contar histórias para quê? Não mais para a construção de uma identidade nacional excludente e homogênea, mas para provocar a reflexão e o debate sobre memórias sensíveis de violência, silenciamentos e invisibilização de experiências que não encontram lugar no modelo apaziguador e conciliatório que predomina no circuito principal do Museu. Para isso, junto com o texto escrito, que é nossa expressão primeira como historiadoras, fizemos intervenções decoloniais buscando a potência das linguagens da arte, da história e da política amalgamadas contra racismos e preconceitos subjacentes ao legado colonial presente. Optamos então por oferecer da sensibilidade do vídeo Das Avós, de Rosana Paulino, à força da intervenção de Emiliano Dantas sobre a brutalidade do mundo colonial português, ao lado da sátira da charge de Leandro Assis. A arte, que transforma nosso olhar tão profundamente, fala por nós explicitando o racismo que cotidianamente tenta-se convencer a todos que é apenas residual na sociedade brasileira. Construir novas memórias ao conferir protagonismos a atores antes invisibilizados como os “africanos livres” da fábrica de ferro Ipanema e os escravizados da residência do Duque de Caxias, no maior e mais antigo museu de história do Brasil, é uma forma de reparação, dentre muitas que ainda precisam ser construídas de forma coletiva nesse país.
Nossa exposição é mais uma atitude pioneira do MHN, que aceitou ser confrontado por narrativas que escapam de uma história condescendente e apaziguadora dos conflitos e tensões sociais, políticos e raciais, dominante na sociedade brasileira. Ação de um museu que tem buscado, nos últimos anos, por meio da autocrítica e da abertura a reflexões coletivas, se transformar para transformar a sociedade. Uma realização em sintonia com o que se deseja para o museu centenário, que tem primado pela escuta, pelo diálogo e pela conexão com diversas pessoas, instituições e grupos sociais, lançando as bases para as histórias que se deseja contar nos próximos cem anos. Não se trata de uma posição fácil, e pode causar algum desconforto, pois ao se abrirem portas, histórias múltiplas e silenciadas para além de cada objeto podem vir à tona.
A exposição Brasil Decolonial reúne 17 intervenções distribuídas ao longo de todo o circuito expositivo principal do MHN. Nossa expectativa é de que a exposição ofereça condições para o exercício de leituras diversas. A visita pode ser lúdica, como no jogo dos sete erros. Propomos que encontrem as “outras histórias”. Algumas são bastante explícitas, outras discretas. Mas com o folder da exposição em mãos, as intervenções podem ser localizadas.
Oxalá essa experiência ganhe o mundo e desafie muitas outras histórias inertes e dadas como únicas! Por tudo isso, vida longa ao Museu Histórico Nacional!
Fiquem agora com o documentário, “Decolonizar: um verbo, uma atitude” de Bel Palmeira, que traz um pouco das ideias e dos bastidores que deram forma e conteúdo à nossa exposição. Uma “palhinha” das intervenções que temos a alegria de convidá-las/los para conhecer no Museu Histórico Nacional. Vamos???
Confira o folder da exposição Brasil Decolonial: outras histórias: folder digital -Brasil Decolonial
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