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Escritas de museus, relato sobre um seminário

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por Aline Montenegro, Carina Martins Costa, Joyce Costa e Joyce Rodrigues

Semana passada foi comemorada em todo o Brasil a 21ª Semana Nacional de Museus, que teve por tema “Museus, sustentabilidade e bem-estar”. O Exporvisões participou da celebração em alta conta, com a organização, em parceria com o Museu Paulista e a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, do evento “Escritas de museus: linguagens, suportes e públicos”, realizada virtualmente com a reunião de pesquisadores/as de todo o país. É um presente do projeto que marca os 4 anos de existência hoje, no dia 26/05.

A arte, desenvolvida pelo Museu Paulista, de autoria de Alex Gomes, trouxe uma provocação interessante ao pensar o QR-CODE, uma forma codificada de acessar outras linguagens, como obra de arte exposta, separada do público por uma cordinha. Isso nos faz lembrar o protagonismo da escrita em pensadores como Gustavo Barroso, que tinha um fascínio especial pelas etiquetas e sua suposta eficácia no congelamento de significados, como bem recordou Francisco Régis Lopes Ramos.

O objetivo do evento foi compartilhar pesquisas e experiências sobre as formas com que os museus se constroem e se comunicam para além de seus edifícios e exposições. Queríamos debater como produzem materiais que vão desde publicações científicas até sites de divulgação institucional, passando por edições pedagógicas e guias de exposições para ampliar e intensificar sua relação com o público, possibilitando a construção de uma imagem institucional e outras experiências de contato e conhecimento por parte de seus visitantes.

A mesa de abertura reuniu a diretora Rosaria Ono, do Museu Paulista da USP, que gentilmente deu as boas vindas e falou sobre a importância do evento. Em seguida, o vice-diretor da ESDI-UERJ, André Luiz Carvalho Cardoso, teceu reflexões sobre os desafios contemporâneos dos museus na produção de zonas de fronteira, conforme aponta James Clifford.

A seguir, a conferência de abertura “Escritas de museus entre papéis e galerias” foi proferida por Paulo César Garcez Marins (MPUSP) com Carina Martins Costa (UERJ) como debatedora. Impressionante sua capacidade de articular tempos, escritas e usos da memória a partir do Museu Paulista. Com experiência de quase 20 anos na curadoria, em especial com pinturas históricas, o professor discorreu sobre processos de escritas do diretor Affonso de Taunay em diferentes suportes, abordando sua vasta produção. Já no contexto universitário dos anos 1980, demonstrou a relação com o ofício do historiador em outra chave, com o rigor metodológico e o debate historiográfico em pauta. A questão sobre o poder das imagens perpassou toda sua fala, o que inspirou a pensar a sociedade contemporânea e também estratégias metodológicas para torná-las artefatos, em amplo espectro de análise com autoria, processos decisórios, articulação entre texto escrito e imagem, apropriações e reapropriações críticas. Ao final, sua fala enfrentou, com erudição e poesia, os desafios contemporâneos dos museus e como atravessar discursos sexistas, machistas e racializados.

A primeira mesa, intitulada “Lições das coisas: materiais pedagógicos e guias de visitação”, informava que os museus históricos investiram na produção de guias e materiais pedagógicos para seus públicos, o que contribuiu decisivamente para a consolidação de uma nova forma de educar a partir da especificidade museal. Os guias de visitação, muitos dos quais escritos pelos próprios diretores, apresentam e conformam uma narrativa histórica. Os materiais pedagógicos, em diferentes suportes, produzem estratégias de escrever e educar que privilegiaram a análise de fontes, com especial atenção aos artefatos; o diálogo com a memória institucional; a preocupação com a especificidade do auditório social e a abordagem da complexidade museal, tendo por base concepções de ensino-aprendizagem diversas. Por meio de autorias de educadoras/es, quase sempre coletivas, a escrita é duplamente ancorada na pesquisa e na experiência pedagógica, o que gera produtos culturais originais e polifônicos, muito além de traduções ou difusões das expografias.

Durante a mesa, composta por Denise Peixoto (MPUSP), Valéria Abdala (MHN), Carina Martins (UERJ) e Francisco Régis Ramos (UFC), com a mediação de Isabela Ribeiro de Arruda (MPUSP) e foram abordadas diversas reflexões relacionadas aos materiais pedagógicos utilizados nos museus históricos, como a importância de adaptá-los aos diferentes públicos e faixas etárias. Além disso, discutiu-se a relevância dos guias de visitação como ferramentas para orientar e enriquecer a experiência do público nos museus.

As discussões compartilharam as experiências dos materiais dos setores educativos do Museu Histórico Nacional, na cidade do Rio de Janeiro; Museu Imperial, localizado em Petrópolis, interior do Rio de Janeiro e Museu do Ipiranga, na cidade de São Paulo. Foram destacadas algumas estratégias, como a participação de educadores e especialistas na criação desses recursos, o uso de tecnologias interativas e sempre na escuta ativa, por intermédio da avaliação dos visitantes, no intuito de um constante aprimorar destes materiais.

Além das subjetividades contempladas e desafios diversos destas produções, através das práticas de ensino- aprendizagem e objetivo de informar e aumentar o engajamento do público nos museus de maneira inovadora e provocativa, o debate trouxe o pensar no papel destas instituições museais na sociedade.

Após a mesa, reconhecemos a necessidade de políticas públicas e de fomento que garantam e promovam a produção destes materiais, em um discurso mais próximo da área da educação, que repensem o conceito de educação patrimonial, acessibilidade, inclusão, objeto mediador e decolonialidade.

A segunda mesa, “Museus em páginas e em circulação – revistas científicas e catálogos”, tratava de uma das principais formas de divulgação da pesquisa em museus desde o século XIX e contou com a mediação de Tatiana Vasconcelos (MPUSP). Edições comprometidas em compartilhar a produção do conhecimento realizada nessas instituições e o perfil de suas coleções, são amplamente distribuídas com o objetivo ampliar o alcance de suas investigações e fomentar o intercâmbio entre cientistas e profissionais da área. Partindo dessa premissa, o objetivo desta mesa foi compartilhar análises sobre esse tipo de publicação, convidando o público à reflexão e ao debate sobre a sua importância na história da museologia no Brasil e na própria constituição desse campo interdisciplinar que é o campo museal.

Como primeira apresentação, o historiador Crenivaldo Veloso (Museu Nacional/UFRJ) trouxe o trabalho “Não se trata apenas de levantar um inventário” sobre catálogos e histórias do Setor de Etnologia do Museu Nacional/UFRJ”, compartilhando e reafirmando a importância da historicização destes materiais. Dois elementos que chamaram atenção: o primeiro foi a menção de que o processo de musealização passou pela catalogação, classificação e atribuição de sentido. Divulgar essa perspectiva desperta para além da valorização, o incentivo e interesse de pesquisa sobre uma fonte tão rica e importante. Já o segundo, tratou do papel que tiveram comunidades indígenas e quilombolas para a reconstrução do que foi perdido após o incêndio que tomou conta do Museu Nacional no mês de setembro de 2018, enfatizando a potência dos movimentos sociais de reverberar o que está “congelado” no tempo, trazendo movimento ao que está parado.

A seguir, Nelson Sanjad (MPEG) compartilhou o seu trabalho “Ciência e Arte na obra impressa de Emílio Goeldi e Ernst Lohse”, destacando os usos e processos da imagem. Uma imagem exposta é capaz de ter mais sentidos do que se está apresentando. E obter imagens em catálogos, documentos, livros e outros não é simples, pois há várias, tecnologias como tipografia, fototipia e litografia. Deslocar-se para esse olhar minucioso, enriquece o que estamos pesquisando e a quantidade de elementos que podemos descobrir.

Logo após, a historiadora Maria Aparecida de Menezes Borrego (MPUSP) apresentou suas contribuições sobre “Coleção Museu do Ipiranga 2022: os livros e as exposições”. Mostrou como por trás da produção dessas publicações existem muitas mãos e, principalmente, como as estruturas do institucional, educativo e pesquisa dialogam entre si para a articulação da capacidade de projetar algo que possa construir e difundir o conhecimento. A coleção foi elaborada a partir de eixos temáticos relacionados às exposições presentes no museu.

Finalizando a mesa, a historiadora Aline Montenegro Magalhães (MPUSP) compartilhou sua pesquisa, ainda em fase inicial, sobre os Anais do Museu Paulista, entre 1922-35. A partir destes, é possível conhecer a instituição e sua historicidade. No recorte cronológico pesquisado, Afonso Taunay, então diretor do Museu Paulista, teve como principal tarefa a preparação da comemoração do centenário no museu. E, a partir dos Anais, é possível identificar elementos que fizeram parte desta construção. Para além da construção de uma identidade nacional, temos o protagonismo de São Paulo e a construção de heróis como os bandeirantes como construtores deste país.

Solange Ferraz de Lima encerrou o evento com a conferência “Narrativas de museus em redes”, tendo Rafael Zamorano Bezerra como debatedor. A sua fala procurou ir além do nosso imaginário imediato, que relaciona as redes à cultura digital, e abordou historicamente a diversidade de redes que enredam os museus, desde o século XIX. Nas suas palavras, uma “constelação que tem o museu como epicentro”. Assim, tomando o Museu Paulista como um caso exemplar, analisou as redes que promovem e dinamizam a produção e a difusão do conhecimento, desde a gestão do primeiro diretor, Hermann von Ihering. Sua análise parte do próprio arquivo institucional, com a identificação das trocas de correspondências e de publicações, que informam sobre esse “fazer museu” em diálogo com outros agentes e instituições. Ao discorrer sobre a importância do registro e disponibilização dos suportes de informações dessas redes em ambiente digital, tem a delicadeza de tecer um bordado, puxando fios de outras apresentações realizadas ao longo do seminário, e enfatizando pontos que marcam sua experiência de mais de 30 anos como docente e curadora do museu, sendo os últimos 5 dedicados à migração do sistema documental para a plataforma digital Tainacan, que potencializa os acessos e amplia as possibilidades de uso do acervo institucional, como é o caso das curadorias digitais.

Enfim, não foi nosso propósito aqui dar spoiler do que rolou nesses dois dias, tão ricos e intensos. Mas foi uma forma de compartilhar nossa mirada afetiva sobre o que vivenciamos e aprendemos. Quem assistiu, poderá assistir novamente. Para quem não assistiu, recomendamos fortemente. É só clicar aqui

E antes da despedida para nosso “sextou” em ritmo de comemorações, agradecemos à Stella Maniga, ao Alex Gomes e à Sônia Regina Barbosa, por todo o apoio que tornou possível a realização do evento. Nosso muito obrigada também a todas e todos os palestrantes, mediadoras e debatedores que abrilhantaram o seminário; ao público que assistiu e interagiu, estendendo e aprofundando as reflexões e os debates.

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